Quem somos

Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil
Olá! Somos um grupo de amigos preocupados com os rumos tomados pela nossa insólita Nação que, após anos de alienação intelectual e política que tolheu de muitos a visão do perigo, caminha a passos largos rumo a um socialismo rastaquera, nos moldes da ilha caribenha de Fidel, ou ainda pior. Deus nos ajude e ilumine nesta singela tentativa de, através deste espaço, divulgar a verdade e alertar os que estão a dormir sem sequer sonhar com o perigo que os rodeia. Sejam bem vindos! Amigos da Verdade

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O tamanho do crime

Olavo de Carvalho - Diário do Comércio, 19 de fevereiro de 2009

O estudo mais completo já empreendido sobre assassinatos em massa no mundo é o do professor de Ciência Política da Universidade do Havaí, Rudolph J. Rummel, que lhe rendeu o Lifetime Achievement Award da American Political Science Association em 1999. O essencial da pesquisa é resumido em Never Again: Ending War, Democide & Famine Through Democratic Freedom (Coral Springs, FL, Lumina Press, 2005), e os dados completos estão no site http://www.hawaii.edu/powerkills. Rummel substituiu ao conceito de “genocídio”, que lhe parece muito vago, o de “democídio”, com o qual designa especificamente a matança de populações civis por iniciativa de governos. Resenhando os episódios de democídio documentados desde o século III a.C. até o fim do século XIX, ele chega a um total aproximado de 133.147.000 vítimas, destacando-se aí, como supremos assassinos em massa, os imperadores chineses (33.519.000 mortos em 23 séculos) e os invasores mongóis na Europa (29.927.000 mortos entre os séculos XIV e XV).
Quando a pesquisa chega ao século XX e entram em cena os governos revolucionários, as taxas de assassinato em massa sofrem um upgrade formidável, subindo para 262 milhões de mortos entre 1900 e 1999 – quase o dobro do que fôra registrado em toda a história universal até então. Desses 262 milhões, nem tudo, é claro, foi obra de governos revolucionários, mas a diferença entre eles e seus concorrentes é significativa. Todos os colonialismos somados (Inglaterra, Portugal, etc.) mataram 50 milhões de pessoas, das quais pelo menos 10 milhões foram assassinadas por um só governo proverbialmente cruel, o do Rei Leopoldo da Bélgica. O império japonês, por seu lado, matou aproximadamente 5 milhões, quase todos na China.
Vejam agora o desempenho dos governos revolucionários: China, 76.702.000 mortos entre 1949 e 1987; URSS, 61.911.000 mortos entre 1917 e 1987; Alemanha nazista, 20.946.000 mortos entre 1933 e 1945; China nacionalista (Kuomintang) 10.075.000 mortos entre 1928 e 1949 (o Kuomintang, embora inimigo dos comunistas, era também um governo revolucionário, responsável pela destruição da mais antiga monarquia do mundo). Às sete dezenas de milhões de vítimas do governo comunista chinês devem se acrescentar 3.468.000 civis assassinados pelo Partido Comunista de Mao Dzedong nas áreas sob o seu controle antes da tomada do poder sobre toda a China, o que eleva o desempenho do comunismo chinês a nada menos de 80 milhões de mortos – equivalente à metade da população brasileira.
Governos revolucionários em áreas menores também não se saíram tão mal, comparativamente à modéstia de seus territórios: Camboja, 2.035.000 mortos entre 1975 e 1979; Turquia, 1.883.000 mortos entre 1909 e 1918; Vietnam, 1.670.000 mortos entre 1945 e 1987 (quase o dobro do total de vítimas da guerra, que renderam aos EUA tantas críticas da mídia internacional); Polônia, 1.585.000 mortos entre 1945 e 1948; Paquistão, 1.503.000 mortos entre 1958 e 1987; Iugoslávia sob o Marechal Tito (tão louvada como alternativa de “socialismo democrático” à brutalidade soviética), 1.072.000 mortos entre 1944 e 1987; Coréia do Norte, 1.663.000 mortos entre 1948 e 1987; México, 1.417.000 mortos entre 1900 e 1920 (especialmente cristãos).
O total sobe a aproximadamente 205 milhões de mortos. Tudo ao longo de um só século. As duas guerras mundiais somadas mataram 60 milhões de pessoas, entre combatentes e civis. A Peste Negra, de 541 até 1912, matou 102 milhões. Nada, absolutamente nada no mundo se compara ao instinto mortífero dos governos revolucionários. A promessa de um “outro mundo possível” transformou-se no mais letal pesadelo que a humanidade já viveu ao longo de toda a sua história. Aristóteles já dizia que a essência da tragédia política é quando o perfeito se torna o inimigo do bom, mas ele se referia somente a casos individuais. Ele não poderia prever que um dia sua definição teria uma confirmação sangrenta em escala mundial, arrastando povos inteiros para os pelotões de fuzilamento, as câmaras de gás e a vala comum.

Por que não sou um fã de Charles Darwin

Olavo de Carvalho - Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009

As festividades bilionárias em comemoração aos duzentos anos de nascimento de Charles Darwin tornam momentaneamente invisíveis alguns fatos essenciais da vida e da obra desse homem de ciência.
Desde logo, Darwin não inventou a teoria da evolução: encontrou-a pronta, sob a forma de doutrina esotérica, na obra do seu próprio avô, Erasmus Darwin, e como hipótese científica em menções inumeráveis espalhadas nos livros de Aristóteles, Sto. Agostinho, Sto. Tomás de Aquino e Goethe, entre outros.
Tudo o que ele fez foi arriscar uma nova explicação para essa teoria – e a explicação estava errada. Ninguém mais, entre os autoproclamados discípulos de Darwin, acredita em “seleção natural”. A teoria da moda, o chamado “neodarwinismo”, proclama que, em vez de uma seleção misteriosamente orientada ao melhoramento das espécies, tudo o que houve foram mudanças aleatórias. Que eu saiba, o mero acaso é precisamente o contrário de uma regularidade fundada em lei natural, racionalmente expressável. O darwinismo é uma idéia escorregadia e proteiforme, com a qual não se pode discutir seriamente: tão logo espremido contra a parede por uma nova objeção, ele não se defende – muda de identidade e sai cantando vitória. Muitas teorias idolatradas pelos modernos fazem isso, mas o darwinismo é a única que teve a cara de pau de transformar-se na sua contrária e continuar proclamando que ainda é a mesma.
Todos os celebrantes do ritual darwiniano, neodarwinistas inclusos, rejeitam como pseudocientífica a teoria do “design inteligente”. Mas quem inventou essa teoria foi o próprio Charles Darwin. Isso fica muito claro nos parágrafos finais de A Origem das Espécies, que na minha remota adolescência li de cabo a rabo com um enorme encantamento e que fez de mim um darwinista, fanático ao ponto de colocar o retrato do autor na parede do meu quarto, rodeado de dinossauros (só agora compreendo que ele é um deles). Agora, graças à amabilidade de um leitor, tomei conhecimento dos estudos desenvolvidos por John Angus Campbell sobre a “retórica das ciências”. Ele estuda os livros científicos sob o ponto de vista da sua estratégia de persuasão. Num vídeo fascinante que vocês podem ver em http://www.youtube.com/watch?v=_esXHcinOdA, ele demonstra que o “design inteligente” não é apenas um complemento final da teoria darwinista, mas a sua premissa fundamental, espalhada discretamente por todo edifício argumentativo de A Origem das Espécies. O “design inteligente” é, portanto, a única parcela da teoria darwiniana que ainda tem defensores: e estes são os piores inimigos do darwinismo.
É certamente um paradoxo que o inventor de uma explicação falsa para uma teoria preexistente seja celebrado como criador dessa teoria, porém um paradoxo ainda maior é que a premissa fundante da argumentação darwiniana seja repelida como a negação mesma do darwinismo.
Puramente farsesco, no entanto, é o esforço geral para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução “foi usada” para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era. Leiam estes parágrafos de Charles Darwin e digam com honestidade se o racismo e a apologia do genocídio tiveram de ser enxertados a posteriori numa teoria inocente:
“Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos... serão sem dúvida exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.”
Imaginem, durante as eleições americanas, a campanha de John McCain proclamar que Barack Hussein Obama estava mais próximo do gorila do que o candidato republicano!
Tem mais: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”
Para completar, um apelo explícito à liquidação dos indesejáveis:
“Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento... Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.”
Notem bem: não sou contra a hipótese evolucionista. Do que tenho observado até hoje, devo concluir que sou o único ser humano, no meu círculo de relações próximas e distantes, que não tem a menor idéia de se a evolução aconteceu ou não aconteceu. Todo mundo tem alguma crença a respeito, e parece disposto a matar e morrer por ela. Eu não tenho nenhuma.
No entanto, minha abstinência de opiniões a respeito de uma questão que considero insolúvel não me proíbe de notar a absurdidade das opiniões de quem tenha alguma. Há muito tempo já compreendi que os cientistas são ainda menos dignos de confiança do que os políticos, e os paradoxos da fama de Charles Darwin não fazem senão confirmá-lo. Meus instintos malignos impelem-me a pegar os darwinistas pela goela e perguntar-lhes:
– Por que tanta onda em torno de Charles Darwin? Ele inventou o “design inteligente”, que vocês odeiam, e a seleção natural, que vocês dizem que é falsa. Ele pregou abertamente o racismo e o genocídio, que vocês dizem abominar. Para celebrá-lo, vocês têm de criar do nada um personagem fictício que é o contrário do que ele foi historicamente. Não vêem que tudo isso é uma palhaçada?

Deficitário, FAT não tem dinheiro para ampliar seguro-desemprego

TCU alertou órgão para evitar o déficit; ministro Lupi (Trabalho) diz que este ano ainda dá para fazer desembolso

O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) não tem condições financeiras para custear as despesas decorrentes de uma ampliação do seguro-desemprego para até dez parcelas, segundo avaliação da área técnica do governo. Essa ampliação, cuja possibilidade foi admitida no início do mês pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, teria de ser bancada com recursos adicionais do Tesouro ou pela redução ou eliminação dos empréstimos do FAT ao setor produtivo.
Entenda o que significa o Fundo de Amparo ao Trabalhador
Por causa da crise, as centrais sindicais reivindicam o aumento das parcelas do seguro-desemprego, que hoje é pago em até cinco meses. Para custear a ampliação para até sete parcelas aos trabalhadores dos setores mais afetados pela crise, já decidida pelo governo no início deste mês, a lei permite que o FAT lance mão, por semestre, de até 10% de suas reservas técnicas, que hoje estão em torno de R$ 11 bilhões.
O FAT paga o seguro-desemprego, o abono salarial e destina recursos para a qualificação profissional e para empréstimos aos setores produtivos (os chamados "depósitos especiais"), com o objetivo de aumentar a oferta de empregos. O Fundo é mantido com recursos das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor (Pasep). A avaliação técnica é que o FAT está à beira do colapso, pois as despesas estão crescendo em ritmo mais acelerado do que as receitas.
No dia 11, o Conselho Deliberativo do FAT (Codefat) liberou uma linha especial de crédito de R$ 200 milhões para capital de giro de agências de veículos usados. O segmento foi o que sofreu o maior impacto da atual crise no setor automotivo e a linha foi mais uma medida do governo para tentar conter o aumento do desemprego. A nota técnica 89/2008, elaborada pela coordenação-geral de recursos do FAT, órgão ligado à Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério do Trabalho, informa que o programa vai apresentar em 2010, pela primeira vez em sua história, um déficit operacional de R$ 497,2 milhões. Ou seja, as despesas serão maiores que todas as receitas resultantes das remunerações das aplicações. A nota diz que o déficit será crescente e atingirá R$ 4,3 bilhões em 2012. Esse "rombo" anual terá de ser coberto pelo Tesouro ou pela devolução pelos bancos dos "depósitos especiais". As projeções da nota técnica foram feitas antes da decisão de pagar o seguro-desemprego em até sete parcelas e com base numa previsão de crescimento da economia de 3% este ano e de 4% em 2010. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, nega que o FAT vá enfrentar dificuldades para financiar a ampliação das parcelas do seguro-desemprego, mesmo que seja para dez meses. "Eu diria que este ano dá sim, pois o Fundo tem um patrimônio de R$ 160 bilhões." Mas ele admite que podem ocorrer problemas no futuro. "É claro que, se o desemprego se agravar muito e a ampliação das parcelas for generalizada, para todos, haverá dificuldades."
Os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), no acórdão nº 1.817, de agosto de 2008, recomendaram que o Codefat estabeleça medidas para evitar o déficit. O TCU considerou ser de "extrema gravidade" a situação apresentada pelo Fundo.
A Constituição determina que 40% da receita do PIS e do Pasep sejam destinados ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que usa os recursos no financiamento de projetos destinados a criar empregos. Além disso, as receitas do PIS e do Pasep são reduzidas em 20% por conta da DRU (mecanismo de Desvinculação das Receitas da União), antes de serem destinadas ao FAT. O ministro do TCU, André Luis de Carvalho, constatou que o crescimento das despesas e a diminuição das receitas do FAT decorrem de questões estruturais, como o aumento real do salário mínimo, a elevação do emprego formal e a incidência da DRU sobre a arrecadação. Para se ter uma idéia da gravidade da situação, a estimativa da área técnica é de que as receitas do FAT crescerão 61,2% de 2007 a 2012, enquanto as despesas aumentarão 96,9% no mesmo período.
A solução mais simples seria a redução das despesas com o seguro-desemprego e o abono salarial. Mas o governo descarta essa hipótese. Outra saída seria elevar as alíquotas do PIS e do Pasep, mas, como a sociedade não aceita mais o aumento da carga tributária, o governo está discutindo alternativas. Nos bastidores, Lupi trava uma queda de braço com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, para que o governo aceite eliminar os 20% da DRU sobre o PIS e o Pasep. Lupi quer também alterar a contabilidade do Fundo para lançar como investimento, e não despesas, os 40% dos recursos destinados ao BNDES. Com isso, Lupi diz que o FAT seria superavitário.
Em resposta ao TCU, o presidente do Codefat, Luiz Fernando de Souza Emediato, sugeriu medidas de ajuste, entre elas a alteração do critério de concessão do abono salarial. Hoje, os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos têm direito ao abono. Emediato propôs que o abono seja apenas para quem tem renda de um salário mínimo. A proposta daria uma economia de R$ 3 bilhões por ano. Emediato diz que essa medida foi discutida com as centrais sindicais no processo de negociação da proposta de recuperação do poder de compra do salário mínimo. Segundo ele, as centrais concordam.

O Estadão - Sexta-Feira, 20 de Fevereiro de 2009 - Ribamar Oliveira, BRASÍLIA

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Gramsci, o parasita do amarelão ideológico

Escrito por Reinaldo Azevedo
Sex, 22 de Agosto de 2008 00:00

O moderno esquerdista brasileiro, essa contradição em termos, esse Jeca Tatu com laptop, tem ainda em Antonio Gramsci (1891-1937) a sua principal referência. O comunista italiano é o parasita do amarelão ideológico nativo. Parte da nossa anêmica eficiência na educação, na cultura, no serviço público e até na imprensa se deve a essa ancilostomose democrática. Já viram aquele comercial na TV de um desodorizador de ambiente em que um garoto bem chatinho, com o dedo em riste, escande as sílabas para a sua mamãe: "eu que-ro fa-zer co-cô na ca-sa do Pe-drrri-nho"? Costuma ir ao ar na hora do jantar. Para a esquerda, Gramsci é a "ca-sa do Pe-drrri-nho" da utopia. E, também nesse caso, o odor mitigado não muda a matéria de que é feito.
Como a obra de Gramsci ficou na grelha da empulhação um pouco mais do que a de Lenin, chega à mesa do debate com menos sangue e disfarça a sua vigarice. Acreditem: a revolução da qualidade na educação, por exemplo, é mais uma questão de vermífugo ideológico do que de verba. O que me leva a este texto?
Na edição retrasada de VEJA, o colunista Claudio de Moura Castro observou que um grupo de educadores reagiu mal à decisão de deixar o ensino técnico para uma fase posterior à da formação geral do aluno. Segundo ele, "os ideólogos da área protestaram (contra a medida) citando Gramsci". Tomei um susto. Tenho pinimbas com o gramscismo faz tempo. Na minha fase esquerdista-do-miolo-mole, dizia tratar-se de uma "covardia conveniente que passa por tática, em tempos de guerra, e de uma bravura inútil que passa por estratégia, em tempos de paz". A tirada é sagaz, mas inexata: Gramsci é um perigo na guerra ou na paz. E estão aí o PT e a nova "TV Pública" para prová-lo.
Gramsci é a principal referência do marxismo no século passado. É dono de uma vasta obra, quase a totalidade escrita na cadeia, para onde foi mandado pelo fascismo, em 1926. Entre 1929 e 1935, escreveu seus apontamentos em 33 cadernos escolares, os tais Cadernos do Cárcere, com publicação póstuma. No Brasil, foram editados em seis volumes pela Civilização Brasileira, com organização de Carlos Nelson Coutinho. Explico o meu susto. O protesto dos "ideólogos" fazia referência a um texto irrelevante, que está no Caderno 12, em que o autor trata dos intelectuais e da educação. Na edição brasileira, encontra-se no volume 2, entre as páginas 32 e 53. É a estratégia da verminose Ali, Gramsci desenvolve o conceito de "escola unitária", uma de suas muitas e variadas estrovengas autoritárias. Segundo o seu modelo, seis de um período de dez anos seriam dedicados à educação que fundisse o ensino universalista com o técnico – por isso os "ideólogos" protestaram. Garanto que preferiram ignorar o trecho em que ele antevê a escola como um internato destinado a alguns alunos previamente selecionados. O autor pensava a educação – e todo o resto – como prática revolucionária, parte da militância socialista. Para ele, a construção da hegemonia de um partido operário supõe uma permanente guerra de valores que rompa os laços da sociedade tradicional. Esses seus estudantes seriam a vanguarda a diluir as fronteiras entre o mundo intelectual e o do trabalho, a serviço do socialismo.
A influência gramsciana decaiu muito nos anos 60 e 70, com a revolução cubana, os movimentos de libertação africanos e a revolta estudantil francesa de 1968. Toda a sua teoria se sustenta na suposição, verdadeira, de que a sociedade chamada burguesa é dotada de fissuras que comportam a militância de esquerda. O que se entendia por revolução – a bolchevique – era um modelo que havia se esgotado na Rússia de 1917. As novas (de seu tempo) condições da Europa supunham outra perspectiva revolucionária.
Fidel Castro, a África insurrecta e o 68 francês reacenderam nas esquerdas do mundo o sonho do levante armado. E elas deram um piparote em Gramsci, em sua teoria da contaminação. No Brasil, derrotadas pelo golpe militar de 1964, partiram para a luta armada. A vitória das ditaduras e a Europa conservadora, termidoriana, pós-revolta estudantil, trouxeram Gramsci de volta. Concluiu-se que não era mais possível derrotar o capitalismo por meio da luta armada. Era preciso corroê-lo por dentro, explorar as suas contradições, construir a hegemonia de um partido de forma paulatina. Voltava-se à política como verminose. Não por acaso, um dos textos vitais na formação do PT é de autoria de Coutinho. Chama-se "A democracia como valor universal". É de 1979. A tese é formidável: sem democracia, não há socialismo, como se não estivéssemos diante de um paradoxo. No ano seguinte, Lula fundava o seu partido sobre o seguinte binômio: "socialismo e democracia".
Admiradores da obra de Gramsci se irritam quando afirmo que o PT é, na essência, gramsciano. Entendo. Um partido que usa cueca como casa de câmbio; que chegou a ter como gramáticos da nova aurora Silvinho Pereira e Delúbio Soares; que é comandado por uma casta sindical com todas as características de uma nova classe social, folgazã e chegada a prebendas, convenham, parece feito de matéria ainda mais ordinária. Não tenho por Gramsci o apreço que eles têm. Ao autor cabe o epíteto de teórico da "ditadura perfeita", uma expressão do escritor peruano Vargas Llosa.
A síntese do pensamento gramsciano está expressa no Caderno 13, volume 3 da edição brasileira. Trata-se de notas sobre o pensador florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), aquele de O Príncipe. Para Gramsci, o príncipe moderno (de sua época) era um partido político. Leiam: "O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que seu desenvolvimento significa (...) que todo ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio moderno Príncipe (...). O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume".
Ninguém conseguiu, incluindo os teóricos fascistas que ele combatia, ser tão profundo na defesa de uma teoria totalitária como Gramsci nessa passagem. Observem que se trata de aniquilar qualquer sistema moral. Toda verdade passa a ser instrumental. Até a definição do que é virtuoso e do que é criminoso atende às necessidades do partido. O sistema supõe a destruição do indivíduo e de sua capacidade de julgar fora dos parâmetros definidos pelo aparelho, que toma "o lugar, nas consciências, da divindade e do imperativo categórico". Para Gramsci, como se vê, não há diferença entre política e abdução.O PT é, sim, gramsciano. Chegou lá? É o Moderno Príncipe, ainda que tropicalizado? Não. Luta para sê-lo e deu passos importantes nessa direção. Volto aos "ideólogos" de que fala Claudio de Moura Castro. A educação brasileira foi corroída pela tal perspectiva dita "libertadora" e anticapitalista. Ela não é ruim porque falta dinheiro, mas porque deixa de ensinar português e matemática e prefere libertar as crianças do jugo capitalista com suas aulas de "cidadania". O proselitismo se estende ao terceiro grau e fabrica idiotas incapazes de ver o mundo fora da perspectiva do Moderno Príncipe.
Gramsci também falava de um certo "bloco histórico", uma confluência de aspectos políticos, econômicos e culturais que, num dado momento, formam uma plataforma estável, que dá fisionomia a um país. Esse partido que busca essa hegemonia, que pretende ser o "imperativo categórico", está na contramão do mundo contemporâneo e das próprias virtudes da economia brasileira, que lhe permitem governar com razoável estabilidade. Por isso, não consegue executar o seu projeto. Mas o país também não sai do impasse: nem naufraga nem se alevanta. A exemplo de um organismo tomado pela verminose, vê consumida boa parte de suas energias e de suas chances de futuro alimentando os parasitas. Enquanto isso, os gramscianos vão nos prometendo que ainda ocuparemos o troninho da "ca-sa do Pe-drrri-nho".

Fonte: http://clipping.planejamento.gov.br/Noticias.asp?NOTCod=354207

Uma corda para Lênin

Escrito por Olavo de Carvalho
Sex, 01 de Junho de 2007 08:11

Quando Georg Lukács proclamou que o inimigo prioritário a ser destruído pelos comunistas não era “o capitalismo”, mas “a civilização judaico-cristã” -- sendo logo seguido nisso pelos frankfurtianos, por Antonio Gramsci e enfim por todo o movimento esquerdista mundial --, ele enviou aos adeptos do capitalismo uma mensagem que eles não parecem ter recebido até hoje: esvaziado dos valores civilizacionais judaico-cristãos, o livre mercado é o terreno ideal para o florescimento da revolução cultural marxista.
A experiência não cessou de lhe dar razão: quanto mais as sociedades capitalistas abandonam os princípíos que aprenderam com o judaísmo e o cristianismo, mais poder e autoridade ganham os movimentos de esquerda. Isso acontece por igual na Europa Ocidental, nos EUA e nos países periféricos em transe de “modernização capitalista”. Se a queda da URSS não diminuiu em nada a força do esquerdismo ocidental, é porque este tirava e tira sua energia das próprias condições locais, e não da ajuda soviética. Essas condições podem ser descritas sumariamente assim: expansão capitalista e destruição concomitante das bases morais e culturais do capitalismo. Entre os dois fatores, a ampliação dos meios de participação democrática é financiada pelo primeiro para acabar servindo cada vez mais ao segundo.
O liberalismo, erigindo o livre mercado no princípio máximo da vida social em substituição aos antigos valores civilizacionais que o possibilitaram, é o instrumento ideológico principal dessa transmutação masoquista do capitalismo em imimigo de si mesmo. No mínimo, a democratização liberal-capitalista em curso é o fato consumado, é a situação vigente, e por isso mesmo não pode ser um ideal de futuro. O liberalismo torna-se assim o advogado do status quo que o estrangula culturalmente, deixando aos esquerdistas o reino dos ideais e valores. Quando se apossa dos slogans “progressistas” da esquerda para tentar provar que se realizam melhor no capitalismo, tudo o que consegue com essa simulação de esperteza é subsidiar com o dinheiro capitalista o aumento do prestígio da esquerda, reduzindo o capitalismo a um meio e entregando à utopia socialista o monopólio do fins, o cetro da autoridade moral. Daí o paradoxo: quanto mais notório o sucesso econômico do capitalismo, mais espetacular a ascensão cultural e política do socialismo.
Lênin dizia: “O capitalismo nos fornecerá a corda com que o enforcaremos.” O liberalismo é essa corda.

Publicado no Jornal do Brasil, 22 de março de 2007.
Fonte: http://www.endireitar.org/site/links2/45-links/13-olavo-de-carvalho

Devastação gramscista

Escrito por Ipojuca Pontes
Sex, 09 de Novembro de 2007 00:00

Prosseguindo no exame do panorama político-ideológico predominantemente esquerdista que se abate sobre a vida cultural brasileira, há que se destacar a presença do pensamento de Antonio Gramsci, seguramente mais eficiente do que as ações do Djanovismo soviético e da Escola de Frankfurt na criação das “condições objetivas” para se chegar a um “outro mundo possível” - vale dizer, estabelecer por aqui uma sociedade comunista. Para quem não sabe, Gramsci foi o secretário-geral do PC italiano que Benito Mussolini, em 1926, instituindo o “tribunal especial para a defesa do Estado”, condenou a 24 anos de prisão, depois de considerá-lo um “cérebro perigoso”.
Confinado na penitenciária de Turi (na província de Bari, Puglia) Gramsci - cujo pai, Francesco, foi condenado a 5 anos de prisão por peculato e extorsão - arquitetou, em 33 cadernos escritos no cárcere, o mais diabólico esquema estratégico para a tomada do poder pelos socialistas em geral e os marxistas em particular. Com efeito, embora fugindo à estratégia de assalto direto ao poder preconizado por Lenin, cujo cerne é a violência revolucionária, os objetivos gramscistas são os mesmos de Marx, Engels, Lênin e Fidel Castro, qual seja, destruir o capitalismo para firmar o “Estado Regulado”.
De fato, com Antonio Gramsci - “Il Gobbo” (“O Corcunda”) - a “transição para o socialismo” ganharia novos contornos estratégicos: ao invés da “guerra de movimento” instituída por Lenin, os socialistas ocidentais, em face do fracasso da revolução bolchevique fora da Rússia, apelariam para a “guerra de posição”, metódica e segura, a ser conduzida pelo “intelectual orgânico” com o respaldo da “sociedade civil organizada”. O objetivo, a longo prazo, seria a defenestração da burguesia e suas instituições de poder, mas, agora, pela via da “revolução passiva”. Em vez do Estado burguês, a hegemonia do Estado passaria às “classes subalternas”.
Para administrar as sucessivas crises fomentadas no Estado democrático tradicional - uma condicionante fundamental na estratégia da “transição para o socialismo”-, Gramsci aponta como obrigatória a organização das “classes subalternas” a partir da mobilização de “aparelhos privados de hegemonia” - estes, considerados alicerces básicos para a formação da nova Sociedade Civil. Por “mobilização de aparelhos privados de hegemonia”, o teórico comunista compreende as distintas ações subversivas do partido-classe, sindicatos, associações, organizações não-governamentais (Ongs), etc., todos atuando para minar as “trincheiras” e os núcleos de “defesa” da sociedade capitalista.
Caberia ao intelectual “orgânico” o papel de buscar a adesão da sociedade civil pela penetração cultural e a detonação da guerra psicológica contra as instituições representativas do aparelho hegemônico do Estado democrático tradicional. Na sua lógica “transformadora”, Gramsci considera todo mundo como intelectual, deste o sapateiro até o escriturário, passando pela enfermeira, etc., a formar, no fundo, a massa de manobra para servir de pasto à manipulação ideológica esquerdista.
O intelectual “orgânico”, na nova estratégia revolucionária, deve conquistar, entre os demais integrantes da sociedade, a adesão do “intelectual tradicional” (burguês), desde que este aceite o papel preponderante do partido-classe - o “príncipe moderno”, na linguagem cifrada de Gramsci - como dirigente e formador do novo “consenso”, objeto final da “guerra de posição”, a etapa avançada de mobilização na “transição para o socialismo”.
(O que venha ser partido-classe, o próprio Gramsci, nas suas “Notas sobre Maquiavel”, assim o define: “O moderno Príncipe desenvolve-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais, uma vez que o seu desenvolvimento significa, de fato, que todo o ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso, somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio príncipe moderno e serve ou para aumentar o poder ou para opor-se a ele. O príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de costume”).
Para estabelecer o “consenso”, o gramscismo labora dia e noite na imposição de um novo senso comum, o conjunto de valores, crenças, costumes, tradições e o modo de pensar prevalecente no seio da sociedade tradicional. A concepção monstruosa do corcunda pretende nulificar o ser humano para, em seguida, por “dentro”, dar-lhe nova formatação, gerando assim uma espécie de Frankstein coletivo.
Hoje, não há como negar, a sociedade brasileira já sofre os efeitos deletérios da estratégia gramsciana para chegar ao governo hegemônico das “classes subalternas”. Facções de organizações não-governamentais, partidos políticos, setores universitários, meios de comunicação em geral, as artes, produção editorial, a igreja, a justiça, o governo, etc. - juntos na tarefa ingente de formar o “consenso” antes do bote final -, desmontam os valores culturais do Brasil tradicional, rearticulando novos conceitos de sociedade nacional (“sociedade civil”), de cidadão (“cidadania”), de opinião individual (opinião coletiva “politicamente correta”), de legalidade (“legitimidade”), etc., numa lavagem cerebral sem precedentes na história da nação.
A “guerra de posição” de Gramsci, claro, não subestima a alternativa de, no momento oportuno, se associar à “guerra de movimento” preconizada por Lênin, que envolve a violência das armas. Mas prefere, em vez disso, ter como arma a incessante manipulação de aulas, discursos, palestras, livros, noticiário da imprensa, filmes, novelas, shows musicais, peças teatrais, para chegar, afinal, por outros caminhos, ao velho, totalitário e criminoso regime comunista.

Fonte: http://www.wscom.com.br/interna.jsp?pagina=coluna&id=5506&colunista=42

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Mises e a metodologia da ciência econômica

Escrito por Murray N. Rothbard
Seg, 16 de Fevereiro de 2009 11:08

A década de 20 assistiu, assim, à conversão de Ludwig von Mises em eminente crítico do estatismo e do socialismo e em paladino do laissez-faire e da economia de livre mercado. Mas isso ainda não era o bastante para sua mente extraordinariamente criativa e fecunda. Ele se dera conta de que a própria teoria econômica, mesmo sob sua forma "austríaca", não tinha sido inteiramente sistematizada e nem tinha formulado por completo os próprios fundamentos metodológicos. E, mais ainda, percebeu que a ciência econômica vinha-se rendendo, cada vez mais, aos encantos de metodologias novas e infundadas: especialmente o institucionalismo - que basicamente negava toda a ciência econômica - e a do positivismo, que, cada vez mais, de maneira enganosa, procurava fundamentar a teoria econômica nas mesmas bases das ciências físicas.
Os economistas clássicos e os primeiros "austríacos" tinham erguido a ciência econômica com base numa metodologia apropriada; mas suas descobertas específicas no plano metodológico tinham sido frequentemente fortuitas e esporádicas, não tendo, portanto, constituído uma metodologia suficientemente explícita ou consciente para resistir às novas investidas do positivismo ou do institucionalismo.
Mises passou a trabalhar na criação de uma base filosófica e de uma metodologia para a ciência econômica, completando e sistematizando os método da Escola Austríaca. Estes foram expostos primeiramente em Grundprobleme der Nationalokonomie (1933), traduzido para o inglês muito mais tarde, em 1960, sob o título Episteological Problems of Economics. Após a segunda guerra mundial, quando o institucionalismo se extinguira, e o positivismo, lamentavelmente, dominara por completo os economistas, Mises continuou a desenvolver sua metodologia e refutou o positivismo em Theory and History, de 1957, e em The Ultimate Foundation of Economics Science, de 1962. Mises combateu particularmente o método positivista, que vê os homens à maneira da física, como pedras ou átomos. Para o positivista, a função da teoria econômica é observar regularidades quantitativas, estatísticas, do comportamento humano, para depois conceber leis que poderiam então ser usadas para "prever" outras evidências estatísticas e ser por estas testada. É obvio que o método positivista se adequa singularmente à idéia de economias dirigidas e planejadas por engenheiros sociais, que tratam homens como objetos físicos inanimados. Como disse Mises em seu prefácio a Epistemological Problems, essa abordagem "científica":
“estuda o comportamento de seres humanos com os mesmos métodos a que recorre a física newtoniana para estudar a massa e o movimento. Com base nessa abordagem pretensamente "positiva" dos problemas da humanidade, planejam criar uma engenharia social, uma nova técnica que permita ao "Czar econômico" da sociedade planejada do futuro manejar homens vivos do mesmo modo que faz a tecnologia, que permite ao engenheiro manejar matérias inanimadas.”
Em contraposição a esta metodologia, Mises desenvolveu a sua, a que chamou de Praxeologia - ou a teoria geral da ação humana - a partir de duas fontes: a análise dedutiva, lógica e baseada no indivíduo, dos economistas clássicos e austríacos; e a filosofia da história da "Escola Alemã do Sudoeste" da virada do século XX, especialmente, tal como representada por Rickert, Dilthey, Windelband e por Max Weber, grande amigo de Mises. A praxeologia miseana fundamenta-se essencialmente no homem em ação: no ser humana concebido não como uma pedra ou um átomo que se "move" segundo leis físicas quantitativamente determinadas, mas como possuidor de propósitos, metas ou fins próprios que procura alcançar, bem como de idéias sobre como fazê-lo. Em suma, Mises afirma, em contraposição aos positivistas, o fato básico da consciência humana da mente do homem, que estabelece metas e busca alcança-las através da ação. A existência dessa ação é revelada tanto pela introspecção quanto pela observação dos seres humanos em suas atividades. Uma vez que os homens usam seu livre arbítrio para agir no mundo, o comportamento resultante jamais poderá ser codificado em "leis" históricas quantitativas. É, portanto, inútil e enganosa a tentativa dos economistas de chegar as leis estatísticas e correlações previsíveis para a atividade humana. Cada evento, cada ato na história humana é diverso e único, resultando da livre ação e interação das pessoas. Não pode haver, portanto, quaisquer previsões ou "testes" estatísticos de teoria econômica.Se a praxeologia mostra que a ações humanas não podem ser encaixadas nos escaninhos das leis quantitativas, como pode haver então uma ciência econômica? Mises responde que a ciência econômica, enquanto ciência da ação humana , deve ser e é, de fato, muito diferente do modelo positivista da física. Pois, como mostraram os economistas clássicos e "austríacos", a economia pode basear-se de início num número bastante reduzido de axiomas evidentes e de validade geral, alcançáveis por meio da introspecção da própria natureza e essência da ação humana. Tendo-os alcançado, podemos derivar suas implicações lógicas como as verdades da ciência econômica. Por exemplo, o axioma fundamental da existência da própria ação humana: os indivíduos tem metas e agem para alcança-las, agem necessariamente ao longo do tempo, adotam escalas ordinais de preferência, e assim por diante.
Embora só traduzidas muito depois da Segunda Guerra Mundial, as idéias de Mises sobre metodologia foram introduzidas no mundo de língua inglesa, sob forma muito diluída, por seu aluno e então seguidor, o jovem economista inglês Lionel Robbins. Seu Essay of the Nature and Significance of Economic Science de 1932, em que o autor reconhece sua "dívida especial" para com Von Mises, foi, por muitos anos, reputado na Inglaterra e os EUA o mais importante trabalho sobre metodologia da ciência econômica. Mas, enfatizando o estudo da destinação de recursos escassos para fins alternativos como essência da ciência econômica, Robbins propunha uma forma demasiado simplificada e edulcorada da praxeologia. Faltava-lhe toda a profunda penetração de Mises na natureza do método dedutivo e nas diferenças entre a teoria econômica e a natureza da história humana. Em conseqüência - e permanecendo não traduzido o trabalho do próprio Mises nesse campo -, a obra de Robbins não foi suficiente para fazer frente à maré montante do positivismo.

Fonte: http://www.libertarianismo.com

O politicamente correto: a guerrilha cultural comunista

Escrito por Márcio Luís Chila Freyesleben
Qua, 18 de Fevereiro de 2009 12:26

Há algum tempo, o Governo Federal tentou implantar a cartilha do politicamente correto. Ser politicamente correto significaria empregar linguagem livre de discriminação, de modo a evitar ofensa a pessoas ou grupos, por conta de raça, credo, sexualidade, etc. Pela regra do politicamente correto, não se diz "negro", mas sim "afrodescendente"; não se diz Direitos Naturais do "Homem", mas sim Direitos "Humanos". São recriminadas palavras do tipo "judiar" (derivada de judeu), "denegrir" (derivada de negro) e, segundo a cartilha lulista, o vocábulo "comunista" deveria ser evitado (Niermayer quis esgoelar o Lula) . A cartilha, é claro, não emplacou, e foi recolhida ao almoxarifado. Mas a moda do politicamente correto continua a fazer estragos pela Nação afora.
Poucos sabem que a ideia do politicamente correto teve origem em Karl Marx. O Manifesto Comunista, escrito por Marx no séc. XIX, possuía duas linhas: o marxismo econômico, que pregava que a história é determinada pelos grupos detentores dos meios de produção; e o marxismo cultural, que pregava a ideia de que a história é determinada pelos grupos detentores do poder (o marxismo cultural é a semente do politicamente correto).
O marxismo cultural, assim como marxismo econômico, pregavam que a história da sociedade é marcada pela luta de classes. A sociedade seria composta por dois grupos antagônicos: os burgueses e os proletários. Os burgueses disporiam dos meios de produção (fabricas, máquinas, recursos econômicos), com os quais oprimiriam a classe proletária. A sociedade, portanto, seria composta de opressores e de oprimidos; estes seriam vítimas daqueles. Sendo assim, os marxistas chegaram à conclusão maniqueísta de que os trabalhadores são sempre bons e de que a burguesia é invariavelmente má. Haveria, na sociedade, grupos bons e grupos maus. Os opressores seriam sempre maus e os oprimidos, sempre bons, independentemente do que fizessem. Durante a Contrarrevolução de 64, por exemplo, os militares impediram que terroristas subversivos implantassem no Brasil o comunismo. Hoje, no entanto, os militares são maus e os terroristas são bons.
O marxismo econômico pregava a tomada do poder pela força, enquanto o marxismo cultural, a partir de estudos e teorias desenvolvidas ao longo da primeira metade do século passado, pregava o desconstrucionismo, que consistiria na desconstrução dos textos históricos, filisóficos e literários, com a finalidade de desestruturar (distorcer) as idéias e valores até então estabelecidos. Por exemplo, a análise desconstrucionista da Contrarrevolução de 64 permitiu à esquerda brasileira afirmar que os militares perseguiram pessoas que lutavam pela democracia e pela liberdade, assim subvertendo a verdade, pois qualquer pessoa com um mínimo de honestidade intelectual sabe que aqueles indivíduos eram terroristas que lutavam pelo comunismo, regime que despreza a democracia e a liberdade. Fazem isso porque, para o marxismo cultural, a história resume-se à análise das lutas de classes: luta dos bons contra os maus. Para eles, a Contrarrevolução foi um Golpe Militar.
O marxismo cultural culminou impondo o "relativismo moral" como filosofia, subvertendo os valores da sociedade tradicional. É a doutrina do politicamente correto que transforma um assassino como Che Guevara em herói; é ela que faz com que Fidel Castro, um assassino psicopata, seja venerado por políticos, intelectuais e artistas famosos. A relativização moral invade a televisão (as novelas principalmente), a imprensa, a escola, a arte, e os homens de bem perdem a capacidade de dizer a verdade. O politicamente correto é a ferramenta com a qual se pretende destruir as bases da civilização ocidental: a fé cristã, o direito romano e a filosofia grega; bases sem as quais o homem não se reconhece. Quando isso acontece, a mentira triunfa.Em 1917, com a revolução Russa, os marxistas da linha econômica chegaram ao poder, fato que gerou grandes expectativas ao marxistas europeus e findou por relegar a segundo plano o marxismo cultural. Com o passar do tempo, verificou-se que o marxismo não conseguia implantar-se na Europa. Ideólogos como Gramsci concluíram que os trabalhadores europeus não aderiam à luta de classes porque eram muito apegados aos valores culturais, à religião cristã principalmente. Foi, então, que o marxismo cultural ressurgiu. Com o marxismo cultural seria possível destruir os valores europeus, que era a causa do fracasso marxista no Velho Continente.
A Escola de Frankfurt encampou a teoria do marxismo cultural e criou a Teoria Crítica para difundir o comunismo na Europa. Muitos consideram a Escola de Frankfurt o berço do politicamente correto.
O marxismo dos frankfurtianos era desalinhado com o marxismo-leninista (marxismo de Moscou). Os frankfurtianos desprezavam os achados econômicos de Marx e os estratagemas da burocracia bolchevista; eles preferiam investir tempo e dinheiro na "teoria da alienação" (a sociedade capitalista transforma o homem em mercadoria, em "coisa", perdendo a consciência de si); Teodor Adorno (1903-1969) dizia que Hollywood era a própria fonte da alienação [mais tarde, Hollywood transformar-se-ia em base dos marxistas culturais: vide o código venona]. Com a Escola de Frankfurt, o marxismo cultural passa para o primeiro plano. A Escola une o marxismo cultural às ideias da psicanalise de Freud [a repressão do indivíduo (Freud) decorria da opressão capitalista (Marx)], e elege a cultura como instrumento de luta pelo poder. Nasce a guerrilha cultural, em substituição à luta armada dos leninistas. Surge a Teoria Crítica e consolida-se a doutrina do politicamente correto.
Para levar a cabo sua empreitada, a Teoria Crítica critica tudo. Pode-se dizer, resumidamente, que ela critica os valores da sociedade capitalista: a família, a religião, a moral, a propriedade, etc. Não são críticas construtivas, pois, como eu disse, eles desejavam desconstruir, isto é, subverter os valores que impedem a implantação do marxismo. Seu modo de operar é engenhoso. Entidades civis (associações, fundações, ongs em geral), normalmente financiadas com o dinheiro público ou beneficiadas com imunidades e isenções fiscais, assumem a defesa de grupos oprimidos (os invariavelmente bons de que falei acima). Gays, feministas, quilombolas, sem-terra, sem-teto, sem-trabalho, sem-terra-indígena-demarcada, sem-juízo (magistrados do Fórum Mundial de Juízes) e demais espécimes sem-par do gênero sem-vergonha, constituem o público dileto dos adeptos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, os politicamente corretos.
Nos anos trinta do século passado, o frankfurtiano Herbert Marcuse (foi ele que cunhou a expressão "faça amor não faça a guerra") criou a noção de "tolerância repressiva": tudo que viesse da direta deveria ser reprimido; tudo que viesse da esquerda deveria ser apoiado pelo Estado. Marcuse é considerado o pai do politicamente correto moderno, que passou a ser o instrumento da guerrilha cultural, com a qual se pretende implantar o marxismo, a sociedade totalitária.
Quando se trata do politicamente correto, cessa tudo que a antiga musa canta. A história é reescrita de acordo com os valores da esquerda. Não só isso. Qualquer expressão que possa ser ofensiva aos grupos oprimidos, deve ser substituída por outras politicamente corretas. No passado, a Escola de Frankfurt, sob a égide do politicamente correto, forneceu as bases ideológicas do fenômeno "hippie"; na atualidade, fomenta a ação dos eco-terroristas, dos movimentos gays, da união homossexual, da liberação das drogas, da descriminalização do aborto, e de uma infinidade de valores minoritários, com a exclusiva finalidade de destruir os valores da civilização capitalista, em particular Deus, Pátria e Família.
Nos anos 60 e 70, a influência dos frankfurtianos perdeu força com o advento da revolução cubana, dos movimentos de libertação na África e a revolta estudantil francesa de 1968. No Brasil, as Forças Armadas impediram os comunistas de tomar o poder, em 1964. Tais fatos reacenderam nas esquerdas do mundo todo o sonho da luta armada. Retorna ao primeiro plano o marxismo econômico. No Brasil, os comunistas deram início ao confronto armado. Com a estrondosa derrota dos comunistas no Brasil e com a queda do Muro de Berlim, o marxismo cultural retorna ao primeiro plano, agora, porém, com uma vantagem: a queda do Muro de Berlim criou em todos a falsa impressão de que, com o muro, caíra por terra o próprio comunismo. Nesse sentido, a queda do Muro de Berlim funcionou como um verdadeiro Cavalo de Tróia: enquanto a direita dorme de espírito desarmado, a esquerda, travestida de socialista do século XXI, campeia livre, implantando a guerrilha cultural. Em suma: os comunistas mudaram de "front". A guerrilha cultural está em franca atividade, e ninguém percebe.
Aliás! você já teve a curiosidade de consultar os livros didáticos de seu filho? Você já leu o livro de História que a escola dele indicou? Hummm!!!!!!!!!!

* Márcio Luís Chila Freyesleben é Procurador de Justiça, Ministério Público, Minas Gerais.

Fonte: http://www.puggina.org/

Nota do M.E.:Paolo Nosella, com ênfase positiva, lembra que "Teoricamente, o debate dos educadores encontrou nos escritos de Antonio Gramsci um grande alento. Presenciamos a uma verdadeira “gramscimania”, isto é, a uma excepcional difusão dos escritos desse intelectual marxista italiano. Calcula-se que mais de 40% das dissertações e teses de pós-graduação em educação, produzidas na década [de 80], citavam Gramsci como principal referência teórica. Suas frases eram citadas, em epígrafe, nos projetos ou propostas de política educacional de várias secretarias de educação, estaduais e municipais. O nome de Gramsci era citado com grande freqüência nos congressos e nas reuniões das várias associações científicas e sindicais dos educadores. A literatura sobre ele e dele era sempre bem-vinda e até mesmo bem vendida." (fonte http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=6)

Leia também:
Do marxismo cultural
Devastação gramscista
A doutrina da mentira
A Escola de Frankfurt
Entre o crime e a mentira
A autoridade religiosa do mal
Gramsci, o parasita do amarelão ideológico

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Crítica da Razão Imatura

Escrito por Alceu Garcia
Ter, 25 de Novembro de 2008 00:00

Para quem vive com sérias restrições orçamentárias e gosta de ler os clássicos, o que por coincidência é o meu caso, a Editora Martin Claret está oferecendo um belo presente: grandes obras de nomes ilustres em diversos campos do conhecimento e da literatura, a um preço bem acessível. É uma excelente oportunidade para se reler livros perdidos nas reviravoltas da vida, ou comprar aqueles que sempre quisemos ler, mas que são difíceis de encontrar ou, quando encontrados, nem sempre há dinheiro suficiente para comprá-los. Inaugurei minha lista de pechinchas adquirindo, a apenas sete reais cada, Ética a Nicômaco de Aristóteles e Manuscritos Econômico-Filosóficos de Karl Marx. Foi uma escolha casual, mas que acabou sendo oportuna por compreender dois filósofos dotados de ethos diametralmente opostos, e por que um deles – Marx, é claro – tornou-se, infelizmente, o arquétipo do intelectual moderno.
A célebre investigação de Aristóteles sobre o Bem, como toda a obra do estagirita, revela a maturidade de um homem verdadeiramente sábio, possuidor daquela sinceridade que, nas palavras de Olavo de Carvalho, "une coração e cérebro, ethos e logos", que dialoga com outros homens de sua estatura intelectual e moral na busca imparcial dos primeiros princípios e aponta para os jovens de espírito ainda agreste o caminho árduo do saber genuíno. Não é à toa que a filosofia de Aristóteles é universal e permanente. Ele legou um patamar de consciência e excelência do qual qualquer recuo representa um enorme retrocesso para a humanidade.Marx, por sua vez, representa outro tipo de filósofo: o intelectual ativista eternamente inquieto, insatisfeito e revoltado, dedicado exclusivamente a transformar o mundo cuja essência ele se jacta de ter divisado num relance de genialidade. Por pensar que já sabe tudo – quando na realidade tudo ignora – ele é todo movimento febril e nunca sóbria reflexão. O marxismo penetrou fundo demais na ideologia contemporânea e, como as tendências filosóficas que predominam no mundo das idéias em uma determinada época fatalmente acabam por gerar uma ordem social que espelha essas tendências – as idéias têm consequências, já disse o filósofo Richard Weaver em um belo livro -, a sociedade em que vivemos é marcada pela esterilidade trágica de uma recorrência prometéica, por assim dizer. O intelectual moldado por Marx submerge repetidamente a humanidade em tsunamis revolucionários que se esboroam assim que a superficialidade e a inviabilidade das utopias coletivas imanentes desnudam toda a sua perversidade inevitável. Nenhum pensador influenciou tanto a nossa época quanto Marx. Ele é o modelo funesto do letrado enragé moderno e seus erros intelectuais e morais são a síntese dos desastres materiais e espirituais dos últimos 150 anos.
Nos escritos de juventude contidos no livro mencionado o método e o sistema de Marx encontram-se plenamente desabrochados. Toda a sua produção intelectual subsequente é uma tentativa – inútil – de demonstrar materialmente, influenciado por Feuerbach e pelos economistas britânicos, as conclusões a que ele chegou na flor de seus vinte e poucos anos pela via de um misticismo intuitivo inspirado em Hegel. A propósito, cabe um parêntese para destacar desde já um sinal inequívoco de degenerescência intelectual dos sucessores filosóficos de Marx, que vai se acentuando a cada geração: esses tentam cada vez menos fundamentar concretamente seus argumentos, desaguando na própria negação da possibilidade de demonstração lógica e probatória cabal de suas conclusões, ou seja, no relativismo característico da "pós-modernidade".
O que chama a atenção nesses textos do jovem Marx é a inconsequência e a temeridade com que as mais desvairadas lucubrações vão se sucedendo, sem a preocupação de submetê-las a um crivo crítico. Marx critica tudo, exceto a si mesmo. Ele joga com as palavras e brinca com falsos paradoxos, evidentemente deslumbrado com a beleza do próprio discurso, como um adolescente ostentando um tênis novo. Muito talentoso, erudito e inteligente, sua mente é fulgurante, porém imatura. E assim permaneceria até o fim de sua vida, um eterno filósofo-teen. No livro de Aristóteles encontro uma advertência que parece ter visado especificamente Marx e seus duplos: "Cada homem julga bem as coisas que conhece, e desses assuntos ele é bom juiz. Assim, o homem instruído a respeito de um assunto é bom juiz nesse assunto, e o homem que recebeu instrução a respeito de todas as coisas é um bom juiz em geral. Por isso, um homem jovem não é um bom ouvinte de aulas de ciência política. Com efeito, ele não tem experiência dos fatos da vida, e é em torno destes que giram as discussões referentes à ciência política; além disso ser-lhes-á vão e improfícuo, já que o fim ao qual se visa não é o conhecimento, mas a ação. E não faz diferença alguma que seja jovem na idade ou no caráter; o defeito não é questão de idade, e sim do modo de viver e de perseguir os objetivos ao sabor da paixão. Para tais pessoas, assim como para os incontinentes, a ciência não é proveitosa; mas para os que desejam e agem de acordo com a razão, o conhecimento desses assuntos será muito vantajoso.
"A imaturidade é para mim o traço principal do caráter e da obra de Marx, jovem e velho, e do intelectual engajado atual nele inspirado. Não é por acaso, pois, que o conteúdo, o estilo e o vocabulário dos escritos do filósofo alemão transpirem contemporaneidade a cada parágrafo. É que lemos diariamente nos jornais e nos livros da moda intelectuais que o imitam em tudo e por tudo, mesmo que talvez inconscientemente. O nosso zeitgeist é marxista. Não se pode esperar boa coisa de uma humanidade que se deixa guiar por rebeldes sem causa.
Como ressaltou Aristóteles, essa imaturidade juvenil não se relaciona necessariamente com a idade. Na mesma época de Marx, jovens pensadores como Alexis de Tocqueville e Herbert Spencer estreavam no universo das idéias com obras clássicas, que denotavam espíritos já amadurecidos e circunspectos. Frédéric Bastiat deixava a placidez de sua província, onde se dedicara por décadas ao estudo e à reflexão, para ingressar nas liças ideológicas de Paris, combatendo e refutando com sua eloquência e fulgor intelectual as mesmas idéias socialistas a que Marx imprimia forma definitiva, sem mudar a essência. Não foi por falta de alternativas melhores que o modelito marxista triunfou.É interessante constatar nos autores citados nos "manuscritos" aqueles que fizeram a cabeça do Marx "teen", pois vemos que o socialismo que ganhou a posteridade sob o rótulo de marxista já estava totalmente desenvolvido bem antes de Marx. São economistas ricardianos de "esquerda" e aristocratas demagogos invejosos dos novos ricos industriais, os quais acusavam farisaicamente de instaurar um inaudito regime de exploração dos trabalhadores. Não carecem totalmente de fundamento as acusações de plágio vertidas contra o barbudo alemão por anarquistas e outros autores socialistas, como Rodbertus. Marx invoca seguidamente a autoridade, na época incontestável, de Adam Smith, para fundamentar a idéia de exploração no trabalho como fonte de todo o valor. O filósofo escocês, porém, foi um pensador sério da estirpe de Aristóteles, que buscava compreender o homem e a economia e não transformá-los. Sua teoria do valor-trabalho representou um erro intelectual, grave, mas isento de má-fé. Escrevendo na década de 1770, ademais, Smith não poderia prever o estupendo aumento da produtividade do trabalho que a acumulação de capital e a aplicação da ciência à produção no contexto do liberalismo iria gerar.
Essa revolução produtiva superou o pesadelo malthusiano da escassez fomentada por pressões demográficas sobre recursos naturais limitados e resultou em uma crescente elevação do padrão de vida geral, sobretudo dos trabalhadores, antes ralé abandonada por todos (salvo pela Igreja) e condenada à fome e ao crime. O agudo crescimento populacional na Europa do século 19 testemunha o fato óbvio de que havia agora meios para permitir a sobrevivência de cada vez mais gente, que do contrário teria morrido ou nem sequer nascido. No entanto, é a imagem mítica de superexploração de desvalidos por capitalistas inescrupulosos, forjada por Engels sobre falsificações anteriores, que caracteriza até hoje aquele período na imaginação do público. Marx e Engels não têm desculpa para ignorar e distorcer os fatos que se passavam diante de seus narizes, nem para se apegar teimosamente à manifestamente errada teoria do valor-trabalho. Aliás, eles até teceram belos elogios no manifesto comunista à transformação produtiva promovida pela "burguesia", mas sem recuar um milímetro de suas insustentáveis posições socialistas.
Coube a Bastiat refutar facilmente essas idéias, ao simplesmente enfocar a economia do ponto de vista do consumidor, coisa de que Marx fugia como o diabo da cruz. Ora, se a produtividade do trabalho crescia tremendamente, quem consumiria tudo o que era produzido, senão os próprios produtores? Produzindo-se mais, consome-se mais. Parece óbvio e é, salvo para quem prefere viver no mundo fictício da ideologia marxista. Por outro lado, Marx insiste na idéia – que não é dele, como se pensa, mas bem anterior - de que o trabalhador livre se tornara mercadoria e presa de uma sujeição execrável aos infames capitalistas. Trata-se de um disparate, vez que pela primeira vez na História o homem comum deixava de ser propriedade de outrem, como na escravidão, ou vinculado eternamente – ele e seus descendentes - a um lugar e a um senhor, como na servidão feudal. Pela primeira vez qualquer pessoa podia, inclusive, quando dotada de talento, se tornar empresário e enriquecer satisfazendo melhor do que outros os desejos dos consumidores. O fim da sociedade de status abria a todos o caminho a que suas energias e dons particulares pudessem levar. Contudo, num verdadeiro giro orwelliano, para Marx o trabalho livre era uma espécie de escravidão e a sociedade sem castas do nascente capitalismo era na verdade caracterizada por castas imutáveis: burguesia e proletariado.
Marx se orgulhava de ser radical, posto que "ser radical é segurar tudo pela raiz" e "para o homem, a raiz é o próprio homem". Mas que "homem" é esse que, privado de sua individualidade, se reduz a um nada em uma classe abstrata? A procura desse "homem" vago e abstruso só podia desembocar na calamitosa e previsivelmente fracassada "construção do homem novo" dos coletivismos totalitários do século 20. A abstração de Marx custou muito caro a dezenas de milhões de homens concretos. O filósofo alemão sintetiza, por outro lado, a fusão do positivismo – a perversão da razão – e do romantismo – a revolta contra a razão -, correntes de idéias muito populares em seus dias. A síntese dessas teratologias doutrinárias ganhou corpo no historicismo de Marx, tola filosofia da imanência desmascarada com argumentos singelos, mas irrefutáveis, por Karl Popper.
A mera imaturidade não é suficiente para justificar uma cegueira tamanha diante da realidade ululante. Era preciso também uma boa dose de má-fé, representada pelas indesculpáveis falsificações de dados e estatísticas perpetradas por Marx para torturar os fatos até que se enquadrassem em seus moldes teóricos. O intelectual ativista moderno, como seu santo padroeiro, é, além de imaturo, um mentiroso. Não causa surpresa que as estrelas do ativismo letrado, os que fazem a cabeça da garotada, sejam mitômanos irresponsáveis como Bertrand Russell, John Maynard Keynes e Jean-Paul Sartre. Não supreende também que o nosso tempo, a despeito dos grandes avanços materiais, seja talvez o mais confuso e perdido espiritualmente de toda a História. E nada vai mudar enquanto as novas gerações continuarem a ser educadas no espírito de Marx e não na sobriedade madura de Aristóteles.

Publicado originalmente em O Indivíduo

A escola austríaca e a refutação cabal do socialismo

Escrito por Alceu Garcia - Sáb, 15 de Novembro de 2008 12:26

Introdução

O fracasso do socialismo como princípio de ordenamento social é hoje evidente para qualquer pessoa sensata e informada – o que exclui, é claro, os socialistas. Estes, porém, insistem que o malogro coletivista foi um mero acidente histórico, que a teoria é fundamentalmente correta e que pode funcionar no futuro, se presentes as condições apropriadas. Tentarei demonstrar nesse texto, recorrendo na medida das minhas limitações aos ensinamentos da escola austríaca de economia, que absolutamente não é esse o caso, que a teoria econômica (para não falar dos fundamentos filosóficos, éticos, sociológicos e políticos!) do socialismo é insustentável em seus próprios termos, e que ipso facto os resultados calamitosos constatados pela experiência histórica são, e sempre serão, uma consequência inevitável de uma ordem (rectius: desordem!) socialista. Não é preciso enfatizar a importância de se ter plena consciência da natureza perniciosa dessa corrente política e de suas funestas implicações, uma vez que em nosso país um poderoso movimento totalitário está muito próximo de tomar o poder.

O Erro dos Clássicos

O núcleo do pensamento econômico socialista está na concepção do valor como decorrente do volume de trabalho necessário para a produção das mercadorias, e isso não só em Marx como também em outros teóricos como Rodbertus, Proudhon etc. Essa teoria do valor constitui a premissa elementar da qual a mais-valia e a exploração são deduzidas. Marx, como se sabe, não inventou a teoria do valor-trabalho. Ela foi exposta bem antes por Adam Smith e David Ricardo e, dada a autoridade desses mestres, ganhou foros de ortodoxia. É difícil entender como esses dois pensadores notáveis, cujas descobertas foram realmente magníficas, puderam fracassar tão cabalmente justamente na questão crucial do valor. Talvez por causa dos avanços das ciências naturais, que estavam revelando propriedades antes insuspeitadas nas coisas, eles acharam que era mais "científico" considerar o valor também como um atributo da coisa. Vários pensadores antes de Smith já tinham tido o insight correto: o valor das coisas depende da avaliação subjetiva de sua utilidade. O valor está na mente dos homens. Hoje se sabe que os filósofos escolásticos e os primeiros economistas franceses, Cantillon e Turgot, haviam concebido uma teoria econômica superior em muitos pontos a dos clássicos britânicos, sobretudo quanto ao valor. Smith e Ricardo, porém, puseram a economia na pista errada com uma teoria do valor falaciosa e, nesse aspecto, causaram um grave retrocesso no pensamento econômico. Mas não por muito tempo. Enquanto Marx e outros pensadores socialistas faziam da teoria objetiva do valor a pedra fundamental de sua doutrina, diversos estudiosos já tinham constatado o desacerto dessa teoria e, independentemente, buscavam alternativas. Em todo caso, não seria exagero afirmar que Marx foi um economista clássico ortodoxo e que seus mestres, Ricardo em especial, podem ser considerados os fundadores honorários involuntários do socialismo "científico". Por ironia, o "revolucionário" Marx foi um conservador extremado em teoria econômica, enquant o que os economistas "burgueses" austríacos empreenderam uma verdadeira revolução nesse campo científico.

A Redescoberta da Subjetividade do Valor

Vários economistas, entre eles o austríaco Carl Menger, chegaram basicamente a mesma conclusão que seus esquecidos antecessores pré-clássicos: o valor é subjetivo. A teoria subjetiva do valor - ou teoria da utilidade marginal - resolve o problema satisfatoriamente, sem deixar lacunas. O valor nada tem a ver com a quantidade de trabalho empregada na produção da coisa., mas depende de sua utilidade para a satisfação de um propósito de uma determinada pessoa. A utilidade decresce à medida em que mais unidades de um dado bem são adquiridas, posto que a primeira unidade é empregada na função mais urgente segundo a escala de valores de cada um, a segunda unidade exerce a função imediatamente menos urgente etc. Para um sujeito que já tem uma televisão, por exemplo, ter outra já não tem a mesma urgência – dito de outra forma, as tvs são idênticas, exigiram a mesma quantidade de trabalho na sua produção, mas não têm o mesmo valor. Cada indivíduo tem uma escala de valores diferente, e o que é valioso para um pode não valer nada para outro. Até para o mesmo indivíduo a utilidade – e daí o valor – de um determinado bem varia no tempo.Isto posto, é fácil verificar que os preços refletem a interação entre ofertantes e demandantes, cada um com sua respectiva escala de valores. Compradores e vendedores potenciais expressam suas preferências no mercado, condicionadas por suas valorações pessoais e intransferíveis, e dessa interação surge uma razão de troca, um preço, que vai variando para igualar oferta e procura ao longo do tempo, de modo que em um determinado instante todos os que valoram o que querem adquirir (no caso a tv) mais do que o que se propõem a dar em troca (no caso um preço monetário x) conseguem comprar o produto. O fabricante de tvs, segundo Marx, primeiro fabrica o produto e da quantidade de trabalho por unidade sai o valor e, consequentemente o preço. Isso é precisamente o inverso do processo real. Na verdade, o fabricante inicialmente faz uma estimativa de um certo preço que ele espera que atraia compradores e esgote o estoque – compradores que valorem mais a tv do que o dinheiro correspondente ao preço. Em seguida ele calcula o custo de produção aos preços correntes e, se for suficientemente inferior à receita final prevista, aí sim ele contrata e combina os fatores de produção para obter o produto. Não é pois o trabalho ou de modo geral o custo de produção que determina o valor e o preço. É justamente o contrário: o preço projetado determina o custo de produção.

O Emaranhado de Falácias Marxistas

Visando definir o valor com mais rigor do que Ricardo e levar a teoria às suas últimas consequências lógicas, Marx acaba demonstrando involuntariamente a invalidade das proposições pertinentes. Como seus antecessores, Marx distingue entre valor de uso e valor de troca. Para ele, as trocas só ocorrem quando coincide a quantidade de trabalho empregada no que se dá e no que se recebe. Só há troca, pois, nos termos marxistas, quando há coincidência de valor, que por sua vez é função do volume de trabalho dispendido. Ocorre que essa linha de raciocínio logo esbarra em um obstáculo insuperável: o trabalho é heterogêneo. Na ausência de homegeneidade, não há como tomar o trabalho como unidade de conta e medida de valor. Marx tenta superar o problema com os conceitos de trabalho "simples" e trabalho "complexo", fixando uma proporção entre eles, mas falha totalmente. Comos os preços flutuam, Marx decreta que essas variações são ilusórias; o real é um certo "preço médio" que equivale ao valor, que equivale ao volume de trabalho dispendido na produção do bem.Ao procurar fugir da rede de falácias que vai tecendo, Marx incorre em uma óbvia petição de princípio que até hoje engana os ingênuos: a medida do valor seria a quantidade de trabalho "socialmente necessário" para a produção de determinada mercadoria. Ora, só podemos saber o que é "socialmente necessário" investigando o que leva os indivíduos que compõem uma sociedade a valorar uma coisa o suficiente para que sua fabricação seja "socialmente necessária". Porque mais cds de pagode são produzidos do que cds de música clássica? Porque o pagode é mais "socialmente necessário" do que a música erudita? Porque há muito mais gente que gosta de pagode do que os que preferem música erudita. Fica claro que o que foi dado como provado, que o valor depende da quantidade de trabalho "socialmente necessário", é precisamente o que se necessita provar. O que é "socialmente necessário"? É aquilo que os indivíduos desejam. Sendo assim, é evidente que temos que procurar o valor das coisas nas preferências individuais, não no custo de produção. Ademais, o trabalho não é o único fator de produção. Marx evidentemente sabe que o trabalho sem o fator terra – os recursos naturais – é inútil e vice-versa. Ele assevera que só o trabalho humano cria valor, pois a natureza é passiva. Mas se o trabalho isolado é incapaz de criar valor, o que nos impede de afirmar que o valor depende da quantidade de recursos naturais "socialmente necessários" à produção disso ou daquilo? E, como toda produção demanda tempo, porque não pode ser o valor definido como a quantidade de tempo "socialmente necessário" para a fabricação de uma mercadoria? Nessa ordem de idéias, mais lógico seria conceber o valor como função da quantidade de trabalho, terra, tempo e capital "socialmente necessários" para a produção de um bem. No fim das contas, é isso mesmo que Marx faz no vol. III de O Capital, relacionando o valor ao custo de produção, contradizendo sua própria concepção do valor-trabalho exposta no vol. I.Para a teoria subjetiva, todavia, não há mistério e não há exceções: o "valor de troca" não é função do trabalho ou do custo de produção, e jamais pressupõe igualdade de valor. Se eu dou tanto valor ao que me proponho a trocar quanto ao que me é oferecido, simplesmente não troco. Só há troca quando os valores são diferentes, quando cada parte quer mais o que recebe do que o que dá. O contrato de trabalho não foge à regra. Cada contratante valora mais o que dá do que o que recebe, logo não há exploração. De fato, provando-se a falsidade da teoria do valor-trabalho, invalida-se inexoravelmente a exploração e a mais valia, e todo o edifício teórico deduzido dessa teoria desaba como um prédio do Sergio Naya.
Ademais, baseando-se na "lei de ferro dos salários", segundo a qual sempre que a remuneração do trabalho subisse acima do nível de subsistência os "proletários" aumentariam a sua prole, trazendo os salários de volta para o nível de subsistência original, Marx assegurou que o capitalismo engendrava a miserabilização crescente do proletariado. Trata-se de uma tese contraditória em seus próprios termos, vez que se a tendência fosse a de que a remuneração do trabalho permanecesse estagnada num patamar de miséria não haveria uma miserabilização "crescente", e sim uma "miserabilidade constante". Na verdade, o padrão de vida dos trabalhadores não cessou de aumentar nos países capitalistas avançados, o que é o resultado natural da liberdade individual de maximizar a utilidade – o valor – nas trocas livres, voluntárias e mutuamente benéficas travadas no que se chama economia de mercado. A conseqüente acumulação de capital investido per capita em grau maior do que o aumento demográfico da força de trabalho torna o trabalho cada vez mais escasso em relação ao capital – e os salários reais cada vez mais altos. Marx, como é comum entre os intelectuais, odiava a divisão do trabalho. Mas foi o aprofundamento da divisão do trabalho que permitiu o aumento da produtividade do trabalho e o consequente aumento do poder aquisitivo real dos salários. O "alienado" operário que aperta parafusos na linha de montagem é recompensado pelo fato de que a produtividade do seu trabalho é tal que lhe permite adquirir produtos antes sequer existentes e ter um padrão de vida muito superior ao artesão autônomo do passado que controlava todo o processo de produção. Marx acreditava que a livre concorrência levaria a uma superconcentração do capital. Na verdade, a concorrência força sem parar a redução de custos e preços, resultando numa melhor utilização de recursos escassos e os liberando para emprego em novas linhas de produção. Marx não distinguiu o capitalista do empresário. Na realidade, capitalista é todo aquele que cons ome menos do que produz – que poupa. Hoje nos países civilizados os trabalhadores são capitalistas e suas poupanças reunidas em grandes fundos de pensão e investimentos capitalizam empresas no mundo todo. O empresário é todo aquele que vislumbra um desequilíbrio entre a valoração corrente de custos e preços futuros de um produto qualquer, e nele uma oportunidade de oferecer aos consumidores coisas que eles valoram mais do que o seu custo de produção. A figura do empresário é insubstituível – o Estado não pode exercer esse papel. Isso os comunistas (e não apenas os comunistas!) puderam verificar na prática, para sua tristeza.
No sistema de Marx, como vimos, as trocas pressupõem igualdade de valor entre os bens negociados. Acontece que, como demonstrado acima, as trocas pressupõem precisamente o contrário: desigualdade de valor. Ou não há troca alguma. Assim, se a realidade se comportasse como na teoria de Marx, não haveria trocas. Na realidade, ninguém trabalharia sequer para si mesmo, posto que tal envolve uma substituição de um estado atual considerado pelo agente como insatisfatório por um estado futuro reputado como mais satisfatório. Quer dizer, até o trabalho autônomo envolve uma troca e valores desiguais. O mundo de Marx seria povoado por seres autárquicos, autísticos e estáticos. Um mundo morto. Não admira que os regimes socialistas sofram invariavelmente de uma tendência para a completa estagnação e paralisia da atividade econômica.

A Lei da Preferência Temporal

Outra descoberta fundamental, feita por um discípulo de Carl Menger chamado Eugen von Bohm-Bawerk, relaciona-se com a influência do tempo no processo produtivo. Ele percebeu uma categoria universal da ação humana: as pessoas dão mais valor a um bem no presente do que o mesmo bem no futuro, posto que o tempo é escasso, e logo é um bem econômico. Os indivíduos ao agirem elegem determinados fins e quanto mais cedo puderem alcançá-los, melhor. Partindo desse axioma ele obteve a explicação definitiva do fenômeno do juro, e mais, que o juro nas operações de crédito financeiras é um caso especial de um fenômeno geral. A produção demanda tempo; do início até a venda do produto há uma demora, sem falar no risco de o produto não ser vendido. Ocorre que ninguém quer esperar até que a venda ocorra para receber sua parte no total – isso se a venda realmente acontecer, e o preço for recompensador. Os proprietários dos fatores de produção - os trabalhadores, os proprietários do espaço alugado, os fornecedores de insumos, os donos dos bens de capital – querem receber logo sua parte sem partilhar dos riscos. Dito de outra forma, eles preferem bens presentes a bens futuros. Mas os bens presentes sofrem um desconto. Daí receberem menos agora do que receberiam no futuro. Ficam livres do risco, que é assumido pelo empresário e pelos poupadores que lhe outorgaram seus recursos.A parcela que um determinado trabalhador agrega ao produto final – o valor do produto marginal, como dizem os economistas – pode ou não ser remunerado integralmente. Há frequentemente casos em que o trabalhador recebe mais do que produziu, quando o preço não cobre os custos, o que não tem explicação pela teoria marxista. O capitalista paga a mais-valia ao proletário! O que é certo é que na economia de mercado há forças operando incessantemente para igualar o salário ao valor do produto marginal. Tanto o lucro quanto o prejuízo são sinais de desequilíbrio. As perdas significam que os compradores não valoram um determinado bem mais do que o dispêndio mínimo corrente para produzi-lo. Os trabalhadores estão recebendo mais do que o seu trabalho produz. O empresário tem que reduzir custos para reduzir o preço do seu produto, ou quebra. O lucro significa que os consumidores valoram um dado bem a um dado preço mais do que o custo de produzi-lo. Os trabalhadores estão recebendo menos do que o valor do produto marginal. Isso quer dizer que os compradores querem mais desse produto. O retorno alto atrai a concorrência, o que aumenta a demanda por fatores de produção – trabalho incluso – e faz cair o preço pelo aumento da oferta do produto. A taxa de lucro baixa e os salários tendem a igualar o valor do produto marginal, descontada a taxa social de preferência temporal - o juro.
Marx nunca compreendeu – ou não quis compreender - que o empresário é um preposto dos consumidores e que são estes quem determinam indiretamente o nível de remuneração dos fatores de produção – salários inclusos. A tarefa dos empresários é satisfazer os caprichos dos consumidores. Nessa função ele deve assumir riscos pois o futuro é sempre incerto. Nota-se, pois, o absurdo da condenação da produção "para o lucro" pelos marxistas vulgares e sua veneração pela produção "para o uso". Sucede que toda produção sempre tem por fim o consumo, i.e., o uso. A produção não é um fim em si mesmo, e sim um meio para se alcançar um fim: o consumo. O lucro e as perdas monetários são sinais fundamentais que orientam os empresários a organizar eficientemente a produção de modo a satisfazer os usos mais urgentemente desejados pelos usuários (presupondo-se a ausência de privilégios concedidos pelo governo aos produtores em detrimento dos consumidores, tais como tarifas, monopólios, subsídios, licenças etc). A lei da preferência temporal exerce um papel determinante no processo produtivo. Se todos os proprietários de fatores (os empregados donos de sua força de trabalho, os fornecedores de insumos, o proprietário do espaço onde a fábrica ou loja se situa, os capitalistas) decidissem partilhar do risco e aguardar até a efetiva venda do produto final total para então dividirem pro rata a receita total, todos eles seriam empresários. Como porém, o ser humano prefere o mesmo bem agora do que no futuro (que é sempre incerto), surge a necessidade social de que um indivíduo, ou grupo de indivíduos reunidos (empresa), exerça essa função empresarial, que é absolutamente indispensável para o progresso da sociedade. O empresário, assim, paga agora aos proprietários de fatores com bens presentes em troca de receber os mesmos bens (dinheiro) no futuro, correndo o risco de não receber. Esse desconto dos bens presentes em termos de bens futuros, como já assinalado, é o que se chama de juro.

A Impossibilidade do Cálculo Econômico em uma Comunidade Socialista

Tendo demonstrado satisfatoriamente que a crítica marxista ao capitalismo é inteiramente equivocada, resta empreender por nosso turno a crítica ao sistema socialista, conforme idealizado por Marx, seus sucessores e outras correntes socialistas. Esse sistema exige a propriedade pública dos meios de produção – terra, trabalho e capital – e o conseqüente planejamento central de toda as atividades econômicas. A primeira objeção que vem à mente é a questão dos incentivos: quem planeja e quem obedece às ordens do planejador ou planejadores? Quem determina o padrão de remuneração dos serviços e que padrão é esse? Numa sociedade que se presume igualitária, a remuneração deve ser igual para todos os tipos de trabalho? Nesse caso, o neurocirurgião terá o mesmo incentivo para exercer suas funções que o lixeiro? Segundo os marxistas, cada um contribui para a coletividade segundo as suas possibilidades e recebe de um fundo comum segundo suas necessidades. Já é possível até aqui imaginar a complexidade do problema.Pois um discípulo de Bohm-Bawerk, Ludwig von Mises, foi mais além, atingindo a raiz do problema do socialismo, que é ainda mais profunda do que a complicação dos incentivos permite vislumbrar. Mises descobriu que a atividade econômica em uma economia complexa depende de um cálculo prévio que leve em conta os preços monetários dos fatores de produção. Impossível esse cálculo, impossível a atividade econômica. Ocorre que, numa sociedade socialista pura, todos os fatores de produção pertencem a um único dono: o Estado. Sem propriedade privada os fatores não são trocados e, logo, não têm preço. A escassez relativa dos fatores de produção e seus usos alternativos fica oculta e o planejador central inexoravelmente é levado a agir às cegas. Mises admitiu para argumentar que a questão dos incentivos não apresentasse nenhum obstáculo, que todos se empenhassem diligentemente em suas tarefas. Ou seja, postula-se que a natureza humana seja aquela que os teóricos socialistas quiserem que ela seja, não o que ela de fato é. Mesmo assim, na ausência de preços para os fatores de produção, o cálculo econômico é impossível e a atividade econômica se torna caótica, vez que não se pode discernir entre os vários tipos de combinação de fatores aquele que é o mais econômico. Dado um determinado estado de conhecimento tecnológico, sempre existem inúmeras maneiras de se empreender um projeto econômico qualquer, digamos uma siderúrgica, mas somente se a escassez relativa dos fatores de produção é expressa em preços monetários é possível escolher dentre as soluções técnicas possíveis aquela que é mais econômica, ou seja, a que representa os menores custos em relação ao preço futuro do produto final, e só assim se pode avaliar ex ante se o projeto sequer é economicamente viável no momento. Como nada disso é a priori possível numa sociedade socialista, todos os empreendimentos tocados pelo estado não passam de um gigantesco desperdício de recursos que mais cedo ou mais tarde leva ao colapso econômico. A experiên cia comunista comprovou tudo isso, muito embora não tenha nunca existido uma sociedade socialista realmente pura. A URSS podia usar o sistema de preços do mundo capitalista como referência e copiar seus métodos de produção, e um florescente e gigantesco mercado negro supria até certo ponto as monumentais falhas do planejamento estatal. Mesmo assim, a economia soviética sempre foi um caos. Funcionou por algum tempo graças ao uso sistemático do terror como "incentivo". Mas o terror não pode durar para sempre. Quando arrefeceu, foi-se o incentivo e a economia comunista anquilosou rapidamente e morreu.

A Natureza Dispersa do Conhecimento

A crítica de Mises publicada em 1920 causou consternação na intelligentsia socialista. Ao menos o desafio foi levado a sério e muitas respostas foram aventadas. Nos anos 30 alguns economistas socialistas (Oskar Lange, Abba Lerner) formularam a teoria do "socialismo de mercado", baseada nas idéias do economista do séc. 19 Léon Walras, que concebeu um método de equações matemáticas capazes de permitir a compreensão do estado geral de equilíbrio de uma economia. Tudo o que se fazia necessário, pois, era outorgar certa autonomia aos gerentes das unidades produtivas de modo que igualassem o preço do produto ao custo marginal para que o comunismo funcionasse tão bem como o capitalismo. Muitos economistas liberais eminentes, como Joseph Schumpeter e Frank Knight, aceitaram a validade dessa solução e se convenceram de que não havia obstáculos econômicos ao socialismo. Ainda outro economista austríaco, contudo, Friedrich Hayek, discípulo de Mises, desenvolveu certos aspectos implícitos na análise de seu mestre para refutar a "solução" socialista. O esquema walrasiano padece de um defeito fatal: é estático. O conhecimento técnico, os recursos e as informações são considerados dados no sistema. Hayek argumentou que o conhecimento é disperso na sociedade e a sua utilização racional é levada a efeito por cada indivíduo traçando seus próprios planos segundo circunstâncias personalíssimas e intransferíveis. O mercado coordena esses planos espontâneamente, sobretudo por intermédio do sistema de preços, de forma muito mais racional e útil do que um planejamento central poderia esperar fazer. O planejamento central implica na supressão dos planos individuais. Os indivíduos tornam-se instrumentos do planejador central, mas esse não pode ter jamais a esperança de coordenar a produção racionalmente. O estado de equilíbrio é uma quimera que não tem lugar no mundo real, dinâmico por natureza, e o conhecimento, as oportunidades e a informação nunca estão "dados". Ao contrário, estão sendo incessantemente criados e ampliados através das iniciativa individuais e suas interações.
Mesmo assim, Mises e Hayek foram tidos como refutados e relegados ao ostracismo pela comunidade dos economistas. Mises morreu esquecido em 1973, mas Hayek viveu o suficiente para rir por último quando o comunismo soçobrou e todas as análises de ambos se revelaram certas. Ele morreu em 1992, após testemunhar a queda do Muro de Berlim e o colapso soviético.

Conclusão

Provar que na economia de mercado não existe mais-valia nem exploração, todavia, não é o mesmo que dizer que a exploração não existe. Existe. Ela ocorre quando somos forçados a dar alguma coisa em troca de nada, como, v.g., no caso dos tributos recolhidos pelo Estado. O Estado é a máquina perfeita de exploração. E o marxismo, por conferir um poder absoluto ao Estado, é o veículo insuperável da exploração sistematizada. A doutrina socialista por ser intrinsecamente falsa leva inevitavelmente a uma perversão e inversão do sentido das palavras, como notou Orwell – por ironia ele mesmo um socialista convicto. Liberdade é escravidão e escravidão é liberdade; democracia é ditadura e ditadura é democracia; cooperação voluntária é coerção e coerção é cooperação voluntária. O Estado socialista é dono de tudo, o que traduz a triste realidade de que os que comandam o governo são os senhores implacáveis, os proprietários absolutos dos comandados. Socialismo é mais do que uma restauração da escravidão; é seu aperfeiçoamento e culminância.Vale lembrar ainda que a análise supra vale para qualquer espécie de socialismo, seja o comunismo (socialismo de classe), nazismo (socialismo de raça) ou fascismo (socialismo de nação).Tudo o que foi exposto aqui é conhecido há décadas. Contudo, pouca gente sabe pois a intelligentsia de esquerda bloqueia a sua divulgação. É uma vergonha, pois uma das tarefas principais dos intelectuais – os que se dedicam ao estudo das idéias – deveria ser justamente a de esclarecer a sociedade a respeito das idéias certas a serem adotadas para o bem comum, e advertir do perigo de se aceitar teorias erradas. Mas não é isso que acontece, infelizmente. Parece que os intelectuais sofrem de uma propensão irreprimível para o socialismo, certamente porque nele vislumbram a chance de empalmar o poder absoluto em causa própria. Em termos marxistas, o próprio marxismo não passa de ideologia, a falsa consciência, que uma classe – a intelligentsia – difunde em função de seus próprios interesses. Essas falsas idéias se propagam e iludem – alienam – as futuras vítimas da classe "revolucionária". É um dever inadiável de todo cidadão consciente denunciar esse esquema podre, desmascarar a falácia socialista e esclarecer a opinião pública na medida de suas possibilidades.

Publicado originalmente em http://www.oindividuo.com/convidado/alceu2.htm

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

STF nega suspensão de refúgio

No site da Veja Online

O Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu nesta terça-feira o pedido de liminar feito pelo governo da Itália para anular o refúgio político concedido pelo Brasil ao terrorista italiano Cesare Battisti. A liminar constava de um mandado de segurança protocolado na segunda-feira pela Itália.
A decisão, que coube ao ministro Cezar Peluso, ainda não é definitiva. O Supremo agora deve julgar o mérito do pedido. O advogado do governo italiano no Brasil, Nabor Bulhões, pede a suspensão do refúgio, alegando que ele pode "gerar prejuízo ao processo de extradição" que tramita no Supremo.
Além disso, a liminar contesta a lei do refúgio, classificando-a como inconstitucional. Segundo o pedido, a decisão pela extradição cabe ao Supremo e não ao ministro da Justiça.
Para o governo italiano, o benefício concedido pelo Brasil a Battisti tem "o indisfarçável objetivo de obstruir o seguimento do processo de extradição que tramita no Supremo", além de afrontar a Constituição Brasileira e os tratados internacionais.
Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália pelos assassinatos de quatro pessoas na década de 70, quando ele integrava o grupo terrorista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). O ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu status de refugiado político ao terrorista, que segue preso na Penitenciária da Papuda, no Distrito Federal, à espera da decisão do STF sobre o processo de extradição.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A cultura do genocídio

Olavo de Carvalho - Diário do Comércio, 20 de janeiro de 2009

Desde que os exércitos aliados revelaram ao mundo os horrores dos campos de concentração nazistas, as tentativas de explicação histórica, sociológica e psicológica de um fenômeno tão inusitado e monstruoso criaram um dos ramos mais prolíficos da bibliografia universal. A cada ano que passa, centenas ou milhares de livros, teses acadêmicas e artigos em publicações eruditas e populares buscam enfrentar a questão angustiante: como e por que foi possível a uma parcela da humanidade culta rebaixar-se ao ponto de fazer da prática de crimes hediondos em massa uma obrigação legal e um mérito patriótico?
As respostas oferecidas podem ser divididas em três grupos:
(1) A corrente dominante segue uma linha inaugurada pelo Doktor Faustus de Thomas Mann, que busca as origens do nazismo no subsolo irracional e satanista da cultura alemã. A noção de que a história social e cultural da Alemanha pudesse elucidar o totalitarismo e o holocausto veio a se tornar um dogma do senso comum e a dominar, praticamente sem contestações, toda essa imensa bibliografia. A aposta nessa tese é compartilhada, em medidas diversas, pelos autores e obras mais díspares, desde produções acadêmicas respeitáveis como os estudos de Otto Friedrich, Siegfried Kracauer, Lotte Eisner, Peter Gay, Carl Schorske e as grandes biografias de Hitler por Joachim C. Fest, Ian Kershaw, Alan Bullock, até obras de cunho polêmico como The Pink Swastika, de Scott Lively e Kevin Abrams ou The Occult Hitler, de Lothar Machtan, e até mesmo especulações sobre a contribuição ocultista à formação da ideologia nazi (Nigel Pennick, Hitler's Secret Sciences; Peter Levenda, Unholy Alliance: History of the Nazi Involvement with the Occult; Dusty Sklar, The Nazis and the Occult; Wilhelm Wulff, Zodiac and Swastika, Nicholas Goodrick-Clarke, The Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on Nazi Ideology etc.). O sucesso dessa linha de investigações é facilmente explicável: como o nazismo se definia a si próprio como um movimento essencialmente nacionalista, nada mais natural do que buscar suas raízes na cultura nacional que o produziu. Lendo esse material, os alemães se convenceram de que são um povo de criminosos e até hoje se desgastam em perpétuos rituais de autopurificação, que contrastam de maneira patética com a orgulhosa recusa comunista de se entregar a idêntico exame de consciência.
(2) Ao lado dessa tradição, desenvolveu-se outra que, ao contrário, procura dissolver a peculiaridade nacional do nazismo no rótulo geral de "fascismo" ou "nazifascismo", uma noção infinitamente elástica que abarca de Hitler a George W. Bush, passando pelos líderes sionistas e pelo general Augusto Pinochet, sem esquecer o senador Joe McCarthy, a Igreja Católica, as milícias patrióticas americanas, os militares brasileiros e, de modo geral, todos os adeptos da economia de mercado (ouvi com os meus dois ouvidos um professor da USP, José Luís Fiore, exclamar: "Liberalismo é fascismo!"). Explicando o fenômeno nazista como imperialismo capitalista, esta segunda linha de investigações, fortemente subsidiada pelos escritórios de propaganda do governo soviético, é autocontraditória e desprovida do mínimo de substância intellectual que justifique um debate sério, mas, graças à rede global de organizações militantes, espalhou-se como uma peste nos meios universitários do Terceiro Mundo, daí saltando para conquistar até mesmo algum espaço na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, tornou-se um dogma estabelecido e um dado do senso comum. Raciocinar fora dela é considerado um sintoma de doença mental ou uma prova cabal de inclinações nazifascistas. Tsk, tsk.
(3) Uma terceira linha, que subordina o conceito de nazismo à noção mais genérica das ideologias de massa, sublinhando suas semelhanças com o comunismo soviético e chinês e sondando suas origens nas fontes gerais do movimento revolucionário mundial, nunca alcançou a popularidade das outras duas, mas teve boa aceitação em círculos de estudiosos especializados graças às obras de Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, Hannah Arendt, Norman Cohn, Eric Voegelin, Ernest Topitsch e, mais recentemente, Richard Overy.
O documentário de Edvin Snore, The Soviet Story, que já comentei aqui e que vocês podem descarregar com legendas em português no site www.endireitar.org, traz uma poderosa confirmação à tese número 3, reduz a número 2 ao engodo publicitário que ela sempre foi e, se não impugna totalmente a número 1, debilita consideravelmente as suas pretensões a ser "a" explicação dos crimes nazistas. Ao mostrar que toda a técnica dos campos de concentração e do extermínio em massa foi inventada pelos comunistas e só tardiamente copiada pelos nazistas mediante convênio com o governo soviético, Snore faz picadinho de qualquer tentativa de atribuir a crueldade nazista a alguma causa especificamente alemã. Os fatores culturais assinalados na tese número 1 explicam a emergência de um movimento nacionalista de tipo místico e irracionalista, mas não a extensão e a brutalidade quase inimaginável de seus crimes. Afinal, movimentos de inspiração idêntica surgiram em muitas outras partes do mundo sem ter por isso recorrido sistematicamente ao genocídio como técnica de governo. O próprio fascismo italiano, com toda a rigidez fanática do seu autoritarismo, nada fez de comparável ao Holocausto, e, segundo conhecedores habilitados como Hannah Arendt e Miguel Reale, não pode nem mesmo ser enquadrado legitimamente na categoria do "totalitarismo", de vez que o governo de Mussolini jamais tentou sequer obter o controle total da sociedade italiana e, bem ao contrário, tolerou a existência de dois poderes concorrentes: a Igreja e a monarquia. O emprego sistemático do genocídio como instrumento de governo foi invenção comunista. O que aconteceu na Alemanha foi a fusão deliberada de um imaginário de tipo nacionalista-místico com a técnica comunista de governo. Essa foi a originalidade de Hitler, até na opinião dele próprio. Ao declarar que toda a sua luta se inspirava diretamente em Karl Marx, ele não se referia, naturalmente, à mitologia patriótica do nazismo, mas à organização socialista da economia e sobretudo ao emprego sistemático do terror genocida. Hitler fundiu Mussolini com Lênin, e a parte genocida da mistura não veio do primeiro componente.
Um dos depoimentos mais importantes de The Soviet Story é o de George Watson, um professor de literatura que se especializou na pesquisa das fontes textuais do socialismo. Autor de um importante estudo sobre The Lost Literature of Socialism, que infelizmente não é citado no filme, Watson descobriu que, antes de Marx e Engels, nenhum ideólogo de qualquer espécie havia jamais proposto a liquidação de "povos inferiores" (expressão do próprio Marx) como prática deliberada e condição indispensável para a instalação de um novo regime. Nem mesmo Maquiavel havia pensado numa coisa dessas. O genocídio é criação sui generis do movimento socialista, e sete décadas se passaram antes que uma dissidência interna desse movimento desse origem ao fascismo e depois ao nazismo, que tardiamente adotou a fórmula do morticínio salvador então já posta em prática por Lênin na URSS.

O segredo de um terrorista

Olavo de Carvalho - Diário do Comércio, 23 de janeiro de 2009

Muitos se escandalizam com o asilo político concedido ao assassino Cesare Battisti, mas poucos tentam averiguar o que o episódio significa realmente. A sucessão de casos similares, a proteção concedida pela esquerda brasileira a praticamente todos os terroristas internacionais que aqui aportam – Achille Lollo, Olivério Medina e sua esposa, os seqüestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto – e o contraste que esses casos formam com a recusa de asilo aos dois boxeadores cubanos deveriam alertar para a obviedade de que não se trata de episódios isolados, mas de uma atividade permanente, sistemática. Mas mesmo aqueles que o percebem hesitam em sondar a relação entre esses fatos e a estratégia geral petista.
Qual é exatamente a posição do Brasil no quadro da esquerda internacional em ascensão? A uma visão superficial, o Brasil é uma democracia de esquerda moderada, favorável ao livre mercado e respeitosa da ordem jurídica. Quase ninguém entende que o país precisa ser tudo isso precisamente para poder desempenhar a função nuclear que lhe cabe na estratégia esquerdista mundial. Também poucos querem enxergar que a democracia brasileira é hoje um puro formalismo jurídico a encobrir o poder monopolístico da esquerda e a total exclusão da simples possibilidade teórica de uma oposição conservadora, seja na política eleitoral, seja na mídia, seja até na pura esfera cultural.
O Brasil, democracia sui generis onde as liberdades legalmente constituídas coexistem pacificamente com a total impossibilidade de exercê-las, é a origem e o centro de comando da revolução comunista na América Latina. É da elite intelectual petista, fundadora do Foro de São Paulo, que emanam discretamente as instruções gerais destinadas a transformar-se em espetáculos de esquerdismo histriônico por meio dos Chávez, Morales e outros tantos que às vezes nem mesmo compreendem as sutilezas dialéticas do processo e por isto acabam, com freqüência, exagerando no desempenho de seus papéis. Se a Venezuela e a Bolívia parecem estar na vanguarda da revolução, e o Brasil muito na retaguarda, é porque o comando, por definição, fica na retaguarda.
Por isso mesmo é que o Brasil se torna também o abrigo ideal para os revolucionários caídos em desgraça nos seus respectivos países. Se eles fossem para Cuba ou para a Venezuela, teriam de conservar sua identidade exterior de revolucionários e se tornariam inúteis para funções mais discretas e relevantes. Aqui, podem adquirir uma fachada de cidadãos pacíficos, aposentados de toda violência, e integrar-se, sem risco nenhum, nos altos círculos intelectuais que comandam o processo. Só um idiota completo pode acreditar que o governo brasileiro aceitaria o risco de uma crise diplomática só para agradar a uma socialite. Tal como Achille Lollo e Olivério Medina, Cesare Battisti não recebeu apenas um asilo político, mas uma promoção, subindo na hierarquia revolucionária, do posto de executor na linha de frente para o de analista e planejador nas altas esferas. Ele é protegido porque é útil, não porque Carla Bruni é bonitinha.
Nenhuma análise séria dos fatos políticos pode-se fazer desde o ponto de vista liberal e conservador se este não absorve, primeiro, a perspectiva do adversário. Se você não está capacitado para fazer uma análise marxista da situação exatamente como a fariam os teóricos e estrategistas do movimento revolucionário, suas opiniões a respeito da política de esquerda serão sempre meras tentativas de projetar sobre ela categorias que lhe são estranhas, ajudando, portanto, a encobrir seus verdadeiros intuitos e a conferir o privilégio da invisibilidade quase absoluta às estratégias e táticas do esquerdismo.
Afinal, o marxismo não é só uma “ideologia”: ele é uma estratégia da praxis revolucionária e, nesse sentido, é uma ciência – uma ciência extremamente sutil e complexa, da qual os formadores de opinião liberais e conservadores, no Brasil, não sabem praticamente nada. O deslocamento entre as categorias analíticas e a natureza do fenômeno estudado é garantia segura de incompreensão, e a incompreensão é por sua vez a origem dos erros estratégicos monstruosos que, ao longo dos últimos trinta anos, reduziram o liberalismo e o conservadorismo, de forças imperantes, a exceções doentias que só subsistem graças à tolerância provisória do sistema.
É fácil observar de fora os erros da economia marxista e pontificar que todo movimento baseado nela está condenado ao fracasso. Mas a estratégia do movimento comunista não é, de maneira alguma, uma decorrência direta e mecânica da sua economia. Principalmente não o é na esfera da luta cultural, onde as manobras e rodeios da intelectualidade ativista vão, com freqüência, no sentido contrário daquilo que se poderia deduzir do economicismo marxista vulgar. Trata-se de um ramo de conhecimento que tem sua própria autonomia e que não pode ser dominado senão mediante longos anos de estudo. É só aprendendo a pensar como os teóricos da revolução mundial que se pode, em seguida, transcender a sua visão das coisas e condená-la com fundamento. Atirar-lhe pedras desde fora é ficar abaixo dela e tornar-se vítima cega do processo revolucionário.