O truque de sempre
Tomara que ao fim e ao cabo Lula esteja certo, e a crise econômica que abala o mundo não passe entre nós de uma marolinha vagabunda incapaz de ser surfada. Porque, do contrário, seremos obrigados a suportá-lo, e aos seus aliados, atribuindo a culpa pela crise aos governos anteriores e, para variar, também à mídia “irresponsável e golpista”.
Quanto à oposição, essa não sabe sequer tirar proveito do que se tornou uma marca do discurso oficial do governo e dos seus áulicos: a previsibilidade.
Há problemas? A culpa é dos governos que antecederam o atual.
O PT meteu os pés pelas mãos? PSDB e DEM meteram antes.
O mensalão, por exemplo, foi algo diferente de caixa dois. No caso dele, pagou-se propina a deputados. Caixa dois é dinheiro ilegal doado a partidos.
Lula negou o mensalão e admitiu o caixa dois, certamente um crime perdoável aos olhos dele e cometido por todos os partidos.
O Supremo Tribunal Federal aceitou a denúncia do Procurador Geral da República contra 40 mensaleiros integrantes "de uma sofisticada organização criminosa" que tentou se apossar de parte do aparelho do Estado. A denúncia distingue muito bem mensalão de caixa dois.
Este ano, como o governo reagiu à descoberta do mau uso do cartão de crédito corporativo? Demitiu a ministra da Igualdade Racial que pagara com cartão as compras em um shopping de aeroporto. Em seguida, a Casa Civil da ministra Dilma Rousseff providenciou um levantamento sobre despesas sigilosas do governo Fernando Henrique Cardoso pagas com cartão.
A idéia era a de sempre: se erramos, nossos adversários também erraram.
O discurso a ser repetido diante de um possível agravamento da crise por aqui foi testado e aprovado com louvor na semana passada durante reunião em São Paulo de 240 dirigentes do PT de 26 estados. Ricardo Berzoini, presidente do PT, esteve presente e concordou com ele. O ex-ministro José Dirceu, também.
Coube ao expansivo Gleber Naime, secretário-nacional de Comunicação do PT, resumir o discurso:
- A crise tem pai e mãe. Ela é uma crise do modelo neoliberal, daqueles que no Brasil defenderam as idéias de desregulamentação do Estado, ou seja, o PSDB e o DEM. E esse debate o PT vai fazer. Os neoliberais perderam.
Curioso, no mínimo. Com que modelo o PT governou até agora? Com o que recebeu pronto. Antes de começar a governar, havia assegurado por meio da famosa Carta aos Brasileiros, assinada por Lula, que não mexeria no modelo – como não mexeu.
Antonio Palocci, o primeiro ministro da Fazenda, mimou Pedro Malan, a quem sucedeu. Henrique Meirelles, eleito deputado federal pelo PSDB, foi nomeado presidente do Banco Central.
Com o tal modelo o governo foi bem-sucedido. A decisão de conservá-lo ajudou Lula a alcançar admiráveis 70% de aprovação popular.
É pura malandragem faturar o que o modelo ofereceu de bom ou de razoável e culpar a oposição por seus graves defeitos. Quer dizer: tudo que derivou de positivo do modelo deve ser creditado unicamente ao PT e ao seu líder máximo. O que derivou de ruim a uma oposição que mal consegue se opor.
A denúncia do modelo que sustentou o governo e que foi por ele sustentado vem acompanhada da crítica à mídia, acusada de “espetacularizar” a crise porque não gosta de Lula e do PT.
Nada de original há nisso também. A mídia foi sempre apontada como inimiga do governo toda vez que algum escândalo o ameaçou. A memória coletiva é curta. Confiram nos arquivos como ela tratou os governos passados envolvidos em escândalos.
Das figuras políticas mais antigas ainda na ativa, somente o senador José Sarney (PMDB-AP) pode dar testemunho do que é governar de fato com a mídia toda alinhada contra ele.
Nem por isso foi por fraqueza que Sarney evitou antagonizá-la. Foi por entender que é melhor para a democracia uma mídia repleta de falhas do que nenhuma mídia. A companheirada prefere uma mídia amestrada. Não terá.
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