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quinta-feira, 12 de junho de 2008

Todo o poder aos espiões de Chávez

Na Veja edição 2064

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Em sua marcha para criar um estado policial,o venezuelano decreta a delação obrigatória

Derrotado seis meses atrás no referendo com o qual tentou atribuir-se o direito de se reeleger presidente quantas vezes quisesse, Hugo Chávez não desistiu de seus planos de sepultar a democracia na Venezuela. Nos últimos dias de maio, sem que o assunto tenha sido publicamente discutido, o presidente criou por decreto um sistema de inteligência que obriga todos os cidadãos a colaborar com os espiões do governo. Quem não o fizer poderá ser condenado a cumprir de dois a seis anos de cadeia. Juízes e promotores têm obrigação especial de passar ativamente informações à polícia política. A Lei de Inteligência e Contra-Inteligência tem por objetivo declarado reunir dados que ajudem na defesa da segurança nacional. Como na lei a expressão é deixada sem definição, o próprio governo tratou de explicar seu verdadeiro significado. "Os órgãos de inteligência devem fazer frente à ingerência dos Estados Unidos nos assuntos internos do país", disse o ministro do Interior e Justiça, Ramón Rodríguez Chacín. Como Chávez considera que toda e qualquer oposição a seu governo tem influência americana, fica entendido que o objetivo da reforma é a repressão política.

Apesar dos maus modos autocráticos de Chávez, o país permanecia formalmente uma democracia. O novo sistema de segurança e a obrigatoriedade da delação mudam o panorama. A Venezuela começa a se transformar em um estado policial, similar ao cubano. O ponto crucial dessa mudança está no fato de que agora o governo pode definir quando um cidadão infringe ou não a lei. Dessa forma, a população se torna refém do regime. "Chávez subverteu a regra democrática de que o estado deve satisfação ao cidadão, não o contrário", diz o cientista político Jorge Zaverucha, coordenador do Núcleo de Estudo de Instituições Coercitivas, da Universidade Federal de Pernambuco. Chávez aprendeu com Fidel Castro a utilidade de uma rede de espionagem com a missão de identificar cidadãos descontentes. Esse tipo de controle social, em que as pessoas se policiam umas às outras, é eficiente em garantir a lealdade de todos ao estado. Em Cuba, essa função é desempenhada pelos Comitês de Defesa da Revolução (CDRs). Criados em 1960 sob o lema "toda dissidência é uma traição", estão presentes em cada quarteirão e nominalmente reúnem mais da metade da população da ilha. Toda essa gente tem a obrigação de informar à polícia política qualquer conduta suspeita dos vizinhos.

No caso da Venezuela, o papel de vigilância que em Cuba cabe aos CDRs será desempenhado pelas inúmeras organizações assistencialistas criadas por Chávez. Na nova lei, elas são chamadas de órgãos de apoio às atividades de inteligência do estado. Isso significa que líderes comunitários e presidentes de cooperativas serão considerados informantes privilegiados da polícia chavista. Esse esquema de delação compulsória já foi testado no bloco soviético. O resultado foram sociedades orwellianas, em que vinganças pessoais, entre outras motivações mesquinhas, levaram à delação. "Outros exemplos de estados policiais já mostraram que o autoritarismo miúdo dos pequenos agentes torna a vida dos cidadãos um inferno", diz José Vicente da Silva, ex-secretário nacional de Segurança Pública. A Stasi, o serviço secreto da Alemanha Oriental, era tão eficiente na supressão da liberdade que Fidel Castro convidou seus agentes para assessorá-lo na montagem de sua própria polícia política. Nesse aspecto, o modelo chavista de vigilância ideológica é ainda mais perverso. Nem os alemães-orientais ousaram emitir uma lei tornando a delação obrigatória.

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