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domingo, 27 de julho de 2008

''Entregamos dados sobre as Farc ao Brasil para que aja como achar melhor''

Lourival Sant'Anna - Estadão de Domingo, 27 de Julho de 2008

Eles ainda estão lá. Depois da desconcertante operação de resgate dos 15 reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), no dia 2, a inteligência do Exército ainda tem agentes infiltrados na guerrilha, e ainda conta com delatores, que agem por vingança. Foi o que revelou o ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos, em entrevista exclusiva ao Estado.

No calor da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Colômbia, nos dias 19 e 20, Santos contou que foram entregues ao governo brasileiro informações sobre as conexões das Farc no Brasil, para que Brasília "possa reagir como considerar mais apropriado". Ex-cadete da Escola Naval de Cartagena, onde foi instrutor do ex-guerrilheiro Simón Trinidad, preso nos EUA, Santos, de 56 anos, membro da família proprietária do jornal El Tiempo, o mais importante da Colômbia, diz que as Forças Armadas seguirão na sua estratégia, de pressionar as Farc militarmente e de executar operações de resgate, desde que não coloquem em risco a vida dos reféns.

Qual o impacto do resgate dos reféns sobre o conflito armado?

Foi o golpe simbólico mais duro que a guerrilha já sofreu, porque, sem disparar um só tiro, sem derramar uma só gota de sangue, tiramos deles o que eles chamavam de suas "jóias da coroa": os (três) seqüestrados estrangeiros, a ex-candidata presidencial (Ingrid Betancourt) e 11 membros do Serviço Público (polícia e Exército), numa operação que encantou o mundo todo.

Os combates continuam?

Combates há quase todos os dias. Seguimos com nossas operações, pressionando-os militarmente. Isso, para eles, causa problemas internos muito complicados. Sabemos que já começaram questionamentos e acusações internas. Mas isso não quer dizer que não sigam com capacidade de combate, e nos enfrentamos todos os dias.

Fui informado de intensos combates no sul de Meta (departamento do centro-sul da Colômbia), onde estaria Mono Jojoy (comandante militar das Farc). Isso é certo?

Sim, lá há bombardeios intensos, mas não somente nessa área. Também noutras há operações. Eles quase não combatem mais. O que fazem é fugir da Força Pública.

Onde estaria (o comandante das Farc) Alfonso Cano?

Numa região chamada Cañon de las Hermosas, entre os departamentos de Tolima e do Valle (oeste).

Lá também há operações?

Muitas.

As Forças Militares sabem onde estão os outros (26) reféns?

Sabemos a área geral, não o lugar particular.

Cogita-se de fazer novas operações militares de resgate?

Nunca renunciamos a fazer operações militares e as fazemos há muito tempo, desde que os riscos para os reféns sejam muito baixos. Autorizamos essa última operação porque o risco para os reféns era praticamente zero. Não vamos fazer o jogo deles, colocando em risco a vida dos reféns.

O agente de inteligência infiltrado continua nas Farc ou já voltou?

É mais de um infiltrado. Alguns continuam lá, outros já regressaram.

E é isso o que está causando questionamentos internos nas Farc?

Sabemos que entre eles há muitas recriminações. E é lógico, porque uma grande operação como essa, um desprestígio tão grande para eles, obviamente produz reações entre eles.

Hoje em dia a guerrilha continua recebendo armamentos e equipamentos?

Eles ainda recebem, mas a cada dia estamos bloqueando mais os seus corredores de mobilidade e de logística. Eles estão debilitados, mas não derrotados. Ainda têm capacidade de reagir e seria um erro da nossa parte cair num falso triunfalismo.

O sr. acha que a reação dos guerrilheiros agora será tentar uma operação militar para demonstrar força ou negociar?

Diria que a segunda alternativa, sobretudo depois da marcha de domingo (dia 20), sem precedentes na história da Colômbia. As pessoas foram para as ruas como nunca antes, para dizer às Farc que basta de violência, basta de seqüestros, que libertem os reféns e negociem em paz. Se eles tiverem alguma sensatez, devem aproveitar este momento. Com a dinâmica militar e os golpes que temos dado neles, talvez dentro de algum tempo eles decidam negociar.

Depois do resgate não houve nenhum contato?

Não, nem direto nem indireto.

De onde vêm as armas deles?

Eles têm armas de muitas origens. Como revelaram os computadores de Raúl Reyes (número 2 das Farc, morto em 1º março, numa operação militar colombiana no Equador), eles têm conexões até com traficantes de armas australianos.

O que se sabe sobre suas conexões no Brasil?

Há uma série de informações de conexões, que entregamos ao governo brasileiro, para que ele possa reagir como considerar mais apropriado.

Há armas que chegam do Brasil?

Não temos informações de armas, mas de conexões que têm com gente no Brasil.

Conexões políticas, de narcotráfico, ou ambas?

Prefiro não comentar isso. Certamente de narcotráfico; isso se sabe que eles têm.

Há pessoas que se dizem representantes das Farc no Brasil. O governo colombiano pediu ao brasileiro que coloque mais atenção nesse aspecto político?

Sim, temos essa informação, e a fizemos chegar ao governo brasileiro, para ver se ele pode ter algum tipo de vigilância sobre esses supostos representantes das Farc lá.

Dizia-se que eles eram cerca de 17 mil antes do governo Uribe (2002). Hoje, fala-se em 10 mil. É esse o número com que vocês trabalham?

O último cálculo está ao redor de 7 mil a 8 mil.

Tive a informação de um plano do Exército de acabar com as Farc em quatro anos. É verdade?

Não, não existe esse plano, nem consideramos que seja apropriado estipular um prazo, porque, se não se cumprisse, isso acabaria se voltando contra nós.

Os paramilitares deram lugar a um novo grupo?

Os paramilitares como tais deixaram de existir, porque eles tinham se organizado para combater a guerrilha. O que há são seqüelas do paramilitarismo que se converteram em bandos criminosos a serviço do narcotráfico, sem nenhum tipo de ação contra a guerrilha.

Quanto os Estados Unidos investiram na Colômbia em ajuda militar?

O Plano Colômbia tem tido, desde o ano 2000, orçamentos de US$ 500 milhões a US$ 600 milhões por ano, distribuídos em diferentes tipos de ajuda, tanto militar quanto contra os narcóticos e (programas) sociais.

Qual foi a participação americana na operação de resgate dos reféns?

Nessa operação, não houve nenhum tipo de intervenção de nenhum país estrangeiro. Os americanos foram informados uma semana antes da operação, porque esse era o compromisso do presidente (Álvaro) Uribe, por causa da presença dos reféns americanos. Nesse resgate, eles não nos ajudaram em nada. Não obstante, têm nos ajudado com inteligência e equipamento.

A infiltração envolveu pagamento em dinheiro a algum guerrilheiro?

Nem um peso foi pago. Os infiltrados são nossos. E os que nos ajudaram, do lado deles, não agiram por dinheiro, mas por vingança.

Por vingança?

Sim, é gente que estava muito insatisfeita internamente. Nós chamamos os que nos ajudam do lado de lá de "penetrados". Às vezes o fazem por dinheiro, às vezes por outros motivos. Neste caso, foi por problemas internos.

Por terem sido maltratados?

Sim, e por terem executado seus familiares.

Quantos são os "penetrados"?

Não posso revelar.

Qual será a prioridade das Forças Militares a partir de agora?

Os últimos meses foram os mais produtivos da história da luta contra os grupos terroristas e as Farc. Ninguém poderia imaginar que cairiam tantos comandantes, que se desmobilizariam tantos guerrilheiros e que se realizaria um resgate como esse. Nossa estratégia é golpear os comandantes, incentivar a desmobilização, capturá-los. Tem funcionado muito bem e vamos continuar.

O Brasil pode ajudar?

Para nós, o Brasil é um país de grande importância em todos os sentidos. Ficamos muito satisfeitos com a visita do presidente Lula. Ele declarou que nenhum grupo deve buscar o poder por meio do conflito armado. É um sinal muito importante para as Farc.

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