Ensaio de Roberto Pompeu de Toledo na Veja de 5/3/2008
Ao lançar o programa Territórios da Cidadania, o mais novo produto de sua superaquecida e superexigida oficina de marketing, o presidente Lula exortou os ministros a viajar pelo país, a seu ver a única maneira de "mapear e resolver" os problemas. "Ficar em Brasília é uma desgraceira só", disse. O historiador José Murilo de Carvalho, em artigo incluído num livro recente (Cultura das Transgressões no Brasil, editado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial), escreve: "Brasília tornou-se uma corte corrupta e corruptora. Funcionasse o governo no Rio de Janeiro, mensaleiros e assemelhados seriam vaiados nas sessões e ‘ovacionados’ nas ruas". Partindo de premissas diferentes e com motivações diferentes, Lula e José Murilo acabam se encontrando na mesma esquina, ou melhor, na mesma falta de esquina: Brasília. Daqui a dois anos a capital federal estará completando meio século de vida. Meio século! – e até hoje não assentou a poeira da controvérsia que suscita.
Nos Estados Unidos também se fala de Washington. Não há eleição em que não concorra um candidato "contra Washington". O da vez é Barack Obama. Quando lhe perguntam por que, com apenas três anos de mandato de senador, já quer pular para a Presidência, ele responde que é melhor fazê-lo enquanto ainda é novo na capital do que quando ela já o tiver estragado. Mas a "Washington" de que se fala nos EUA é diferente da "Brasília" de que se fala por aqui. A "Washington" deles são os viciados costumes políticos. Nossa "Brasília" vai além: abrange também a localização geográfica e a concepção urbanística. Isso torna o nosso caso possivelmente único. Não deve haver no mundo país em que a capital, inclusive por seu aspecto físico, seja uma questão em si mesma. A combinação da localização, nas lonjuras do Planalto Central, com um plano urbanístico que privilegiou as autopistas, as distâncias e os espaços vazios teria resultado numa cidade tão boa para os conchavos e falcatruas dos detentores do poder quanto ruim para o convívio e a manifestação dos governados.
As razões de Lula e José Murilo são opostas. O que no fundo Lula vê em Brasília é um obstáculo à sua vocação de arengueiro e animador de auditório. Falta-lhe o principal, a platéia. O que José Murilo lamenta é a ausência de algo só parecido porque também tem a forma de seres humanos, mas não é uma simples platéia. Para Lula, falta um coadjuvante dócil ao teatro do poder. Para José Murilo, o déficit é de gente, de clima e de espaços que favoreçam o exercício de cidadania. Onde os dois se encontram é na crítica a Brasília, culpada de não satisfazer nem o político que ama o conforto das multidões, desde que domesticadas e melhor ainda se entusiasmadas, tampouco o historiador que reclama um povo nos calcanhares dos governantes.
A história de Brasília é cheia de paradoxos. Nascida, da prancheta de Lucio Costa, para ser a capital da igualdade, virou a mais desigual das cidades brasileiras. Era para acolher toda a população na uniformidade das superquadras, dos clubes e das corporações alocadas cada qual no seu nicho. Esqueceu dos pobres, no entanto, ou o país esqueceu de enriquecer, e virou a cidade proibida dos pobres expulsos para o submundo das cidades-satélites e favelas. Nascida, dos sonhos de Juscelino, como a capital de uma jovem democracia, acabou consolidada sob a ditadura, como a capital ideal para as decisões isoladas, a dispersão dos descontentamentos e o trânsito dos tanques. No Memorial JK que se ergue em Brasília, um diploma conferido pela Universidade de Coimbra chama o criador da cidade de "Iuscelinus, brasiliensis republicae sapientissimus princeps". Quem a consolidou foi "Emilius Médici, brasiliensis republicae notabilissimus tyrannus".
É provavelmente um engano pensar que, fosse a capital em outro lugar, as coisas seriam diferentes. Difícil imaginar que nestes tempos de domínio da televisão e de anestesia da política a população vá se dar ao trabalho de cercar os palácios ou assistir às sessões do Congresso. Os desatinos ocorrem também nas administrações locais do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a cobrança aos governantes não é maior do que na capital federal. Mas Brasília leva a culpa. É a "ilha da fantasia". Em mais um dos paradoxos que perseguem a capital federal, Juscelino continua sendo o mais amado dos presidentes, herói até de minisséries na TV, mas sua principal obra é vilipendiada como se, ela própria, fosse uma das causas, para alguns até a principal, das infelicidades do país.
No plano simbólico – e este talvez seja o mais doído dos problemas –, Brasília teve a má sorte de encarnar uma utopia. Ela anunciava o futuro. Não por acaso, Juscelino, que era forte nessas coisas de futuro e de utopia, quis revesti-la de uma arquitetura futurista. Brasília era coisa jamais vista, em país algum, tanto na forma como no que representava. Era o anúncio de uma nova era. O futuro que ela anunciava chegou, e é isso aí.
Quem somos
- PANACEIA POLÍTICA
- Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, Brazil
- Olá! Somos um grupo de amigos preocupados com os rumos tomados pela nossa insólita Nação que, após anos de alienação intelectual e política que tolheu de muitos a visão do perigo, caminha a passos largos rumo a um socialismo rastaquera, nos moldes da ilha caribenha de Fidel, ou ainda pior. Deus nos ajude e ilumine nesta singela tentativa de, através deste espaço, divulgar a verdade e alertar os que estão a dormir sem sequer sonhar com o perigo que os rodeia. Sejam bem vindos! Amigos da Verdade
domingo, 2 de março de 2008
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2 comentários:
Taí um texto que não diz coisa alguma sobre nada. Qual é a tese defendida no texto? Ela se sustenta. O articulista se contradiz a cada linha. No congresso nacional menos de 5% dos políticos são de Brasília. E a roubalheira e a lambança estea presenta em todas as unidades da federação. Onde o povo vigia os governantes? No Rio dos garotinhos, Rosinhas, César Maias etc? Na São Paulo de Pittas e malufes? a grande covardia de um texto bisonho como esse é que o papel em branco aceita qualquer coisa.
Pois é seu Lelê, fiquei eu também sem entender o seu ponto de vista. Talvez a única parte do seu texto à qual e tenha o dever intelectual de concordar é aquela em que você lembra que o povo brasileiro abre mão da sua vigilância sobre seus representantes independentemente da questão territorial. Somos lenientes com a corrupção aqui, em Brasília e em qualquer parte do país. Porém a sua afirmação de que o texto não diz nada com nada é a parte que me preocupa, pois conforme seu perfil no Blogger, você é um publicitário (que por dever de ofício deveria ser uma pessoa perceptiva e observadora) e ainda por cima mora em Brasília e vivencia de perto o dia-a-dia descrito no texto. A mensagem é direta: Brasília foi projetada como uma grande peça de marketing ufanista e nacionalista, e agora serve de instrumento aos políticos que desejam manter uma ilha da fantasia administrativa onde os membros do clã politiqueiro podem se locupletar de seus privilégios de cidadãos de 1a classe a salvo da possibildade de reação dos eleitores. O que o autor deixa muito claro no seguinte parágrafo: "É provavelmente um engano pensar que, fosse a capital em outro lugar, as coisas seriam diferentes. Difícil imaginar que nestes tempos de domínio da televisão e de anestesia da política a população vá se dar ao trabalho de cercar os palácios ou assistir às sessões do Congresso. Os desatinos ocorrem também nas administrações locais do Rio de Janeiro e de São Paulo, e a cobrança aos governantes não é maior do que na capital federal. Mas Brasília leva a culpa." é que a cidade é um símbolo da política Brasileira, da sua maneira tupiniquim de fazer democracia baseada em demagogia barata e administração excessivamente cara. Isto é exatamente o que você defendeu e eu concordo. Portanto, ou o texto não foi bem compreendido, ou você quis desqualificar o autor por algum motivo que desconheço e até prefiro ignorar...
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