Por Reinaldo Azevedo
Às 15h18 de ontem, publiquei um post cujo título era “Pior do que CPI nenhuma é uma CPI manca”. Sentia no ar o cheiro da empulhação oficial, com notas de equívoco oposicionista. Pois é. No começo da noite, eis que o líder do governo no Senado, Romero Jucá, protocolava na Casa um pedido de CPI, com 31 assinaturas, entre parlamentares da situação e da oposição. O pai da idéia é o ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Lula inicialmente resistiu, mas foi convencido pelos líderes governistas de que uma CPI acabaria sendo inevitável. Assim, melhor controlá-la já no nascedouro.
Franklin tem a ambição de ser um bom gestor de crises. Na Internet, vocês acharão muitos textos seus, do tempo em que era um jornalista “isento”, criticando o que poderia ser definido como “falta de protagonismo” do governo. Ele está lá, agora, para isso. Para o PT, uma comissão de inquérito é só um capítulo do Ministério da Propaganda. Em seu requerimento, Jucá pede a investigação do uso dos cartões de 1998 a 2008. O esforço para envolver na investigação o governo FHC — ao qual Jucá também serviu — é só uma estripulia malandra para diluir as acusações contra o governo Lula e tentar esfriar o ânimo investigativo da oposição.
Ânimo já bem frio, diga-se. Apontei aqui os notáveis equívocos da entrevista do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que colhia subsídios para uma CPI mista. Ao falar de sua disposição, já o fez sob a égide das concessões: os gastos da família Lula da Silva não seriam investigados, e, se fosse preciso, a comissão mista poderia se restringir ao Senado. Concordava ainda que a apuração retroagisse ao governo FHC. Resumo da ópera: a CPI da oposição, que morreu antes de nascer, nem tinha vindo ao mundo e já pedia desculpas, estava na defensiva.
Se uma CPI, nessas condições, é manca — e, pois, pior do que CPI nenhuma —, aquela que foi proposta pelo governo é um monstrengo, prova evidente da degradação institucional do país sob o governo Lula. E é fácil dizer por quê.
Os motivos para investigar os gastos com cartão de crédito corporativo no governo Lula estão dados, são determinados. Já custaram a demissão de uma ministra de estado e um decreto do governo para discipliná-los — admissão evidente de que seu uso era, digamos, indisciplinado. Mais: há a pletora de evidências de que os cartões, quando usados para pagar contas, são pau para toda obra. Quando empregados para sacar dinheiro na boca do caixa — 75% do que o governo federal gastou —, permitem uma farra que nem rastro deixa.
Mas por que investigar o governo FHC? Qual é o fato determinado? Pela primeira vez na história, vai-se fazer uma CPI para saber se existem motivos para... fazer uma CPI. Por incrivelmente aborrecido que seja, estamos diante do sestro mais característico do governo Lula: “Fiz lambança, sim, mas quem não fez?” Enquanto a oposição dormia sobre suas hesitações, enquanto ela se esforçava para demonstrar que a comissão não era fruto da perseguição política, enquanto prometia, comportada, deixar fora da investigação a família real brasileira, de Dom Lula I, o Richelieu do MR-8 tinha idéias. A entrevista de Dilma Rousseff, Franklin Martins e do general Jorge (in)Felix era só a manifestação quase picaresca do golpe desferido contra qualquer investigação.
Que fique uma lição à oposição: no enfrentamento com o PT, é preciso tomar cuidado com o bom-mocismo para que ele não se transforme na assimilação dos valores do inimigo. Sampaio tentou garantir que a CPI mista não incluiria Lula. O governo se antecipou e protocolou o pedido de uma comissão que inclui o governo FHC. Estenda a mão ao partido, e ele lhe cortará os dedos. Dê-lhe uma piscadela , e ele lhe arrancará os olhos.
Esclarecendo
Registro: o governo anunciou ontem que os ministros não terão mais cartão. Quanta severidade, não? Mas aí esclarece: haverá uma assessor para usá-lo em seu lugar. Ah, bom. Então tá bom.
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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
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